Em
1830, Almeida Garrett publicava em Londres uma das suas emblemáticas
obras de teor político, intitulada “Portugal na Balança da Europa – Do
que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova ordem de coisas do
mundo civilizado”. Dedicando-a à Nação Portuguesa, Almeida Garrett
principiou a sua obra afirmando que “É sem duvida a servidão o mais
insuportável dos males e o mais abominável dos flagícios: como nascidos
que somos para a liberdade, nossa própria natureza a ela repugna; a
existência se nos torna indiferente, e a morte que a termina lhe deve
ser preferível”.
Chegamos ao actual estado de coisas com a nossa liberdade cada vez mais
reduzida, obrigados à submissão para que nos seja possível sobreviver,
sem alternativa a uma das mais permanentes características da nossa
política externa que é a gestão de dependências, e regressados ao centro
de um complexo tabuleiro geopolítico como há décadas não acontecia.
Inevitavelmente, surge no horizonte a interrogação sobre a nossa
viabilidade financeira enquanto estado soberano, agora que voltamos a
ser bons alunos e até vamos merecendo nota positiva da troika
FMI/BCE/CE, enquanto a União Europeia vai navegando à vista nesta crise
das dívidas soberanas, que arrisca fragmentar ou aprofundar o processo
de integração europeia, em relação à qual também as palavras de Garrett
continuam actuais: “Somos chegados a uma crise da Europa, de todo o
mundo civilizado; uma crise que há tantos anos se prepara, que tantos
sintomas anunciavam próxima; cujos resultados desfarão todos os falsos e
forçados antigos equilíbrios políticos, e os estabelecerão novos e
regulares”.
Mas, apesar dos contornos indefinidos quanto ao desfecho desta crise,
ainda para mais agora que também Itália e França parecem estar à beira
de sofrer cortes no rating das respectivas dívidas públicas e,
consequentemente, ver aumentar os juros cobrados para que se possam
financiar nos mercados, o que realmente nos deve preocupar é que a
viabilidade futura de Portugal depende, em primeiro lugar, da nossa
esfera política interna. O estado português carece de uma verdadeira
reforma estrutural que diminua abruptamente o peso deste na economia, o
que passa por extinguir milhares de organismos, institutos, fundações e
privatizar ou também fechar muitas das empresas do sector empresarial
estatal. O Orçamento Geral do Estado para 2012 será a prova de fogo do
actual governo PSD-CDS, nesta matéria. Só isto permitirá libertar
recursos e diminuir impostos, assim criando um ambiente de maior
competitividade e de incentivo à iniciativa privada, o qual estamos
condenados a gerar se queremos que Portugal se mantenha enquanto estado
soberano durante as próximas décadas. Se não conseguirmos gerar este
ambiente, as empresas não produzirão, não gerarão riqueza, poupança e
investimento suficiente para nos permitir liquidar sustentadamente as
dívidas que temos.
Contudo, na balança europeia e mundial, também a nossa política externa
tem um papel essencial a desempenhar no processo de recuperação da nossa
liberdade. Tendo sido completamente reorientada com o advento da III
República, poderá ter chegado a hora de a reorientarmos novamente. O
vector europeísta da nossa política externa está cada vez mais esgotado,
e esta, que sempre serviu para que procurássemos no exterior recursos
para nos desenvolvermos internamente, precisa de se virar para onde
estes existem e onde, ainda por cima, os seus detentores nos são
histórica e culturalmente próximos. Sinais neste sentido têm aparecido
nos últimos anos, com a valorização da cooperação com o Brasil e países
da CPLP. Mas estas relações têm que ser reforçadas e têm que se
concretizar e reflectir materialmente, indo muito para além da retórica,
por mais difícil que seja a reafectação de recursos internos no
prosseguimento da nossa política externa. O Atlântico sempre foi o
principal vector desta, até 1974. Talvez esteja na altura de recuperar
esta orientação, para que, como escreveu Fernando Pessoa, possamos
cumprir Portugal.
Não será fácil, mas se há algo verdadeiramente constante na nossa
História são as permanentes crises económicas, sociais e políticas em
frente das quais nos soubemos reinventar. Cabe-nos, reportando-me
novamente às palavras de Garrett, “não nos iludir com aparências, não
nos cegar com facilidades. Temos estorvos grandes que remover,
obstáculos imensos que superar, grandes e perplexas e quase
inextricáveis dificuldades que deslindar e desembaraçar. (…) Venceremos,
mas não sem trabalho. Havemos de triunfar, mas não sem sacrifício”.
Samuel de Paiva Pires
Fonte: Real Associação de Lisboa
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