sexta-feira, 5 de agosto de 2011

MAZAGÃO, O BERÇO DO SEBASTIANISMO

Como é possível que uma baía africana, com uma pequena vila piscatória e uma velha torre, se tenha transformado em sinónimo da CORAGEM INDISCIPLINADA LUSA?

Como se compreende que um socorro anárquico, a um local no Algarve-Além-Mar, tenha fomentado uma característica portuguesa, que se cristalizou no que mais tarde se veio a chamar SEBASTIANISMO?

Nada disto tem lógica!

E é bom que assim seja, porque a lógica transforma-nos em analistas, com leituras secas de estatísticas frias, que nunca compreenderão a alma lusa!

Tudo começou em 1502, quando, por convite feito a D. Manuel I de Portugal, pelo chefe local, Sálem Ben Omar, se decide construir, de raiz, uma fortaleza portuguesa. Uma boa parte das exportações de trigo marroquino para Portugal, passava então pelo cais desta praça, já por nós denominada MAZAGÃO (os marroquinos chamavam-lhe “Elbrija Eljedida”, ou seja, a nova fortaleza).

D. Manuel I mandou Jorge de Melo, com as devidas autorizações, e o arquitecto João de Castilho, para levantar a traça da nova praça lusa, na costa africana. Quem depois acabou por dirigir a execução da obra, foram Diogo e Francisco de Arruda, génios na sua arte. A grande sala para guardar trigo, hoje uma cisterna, abobadada e com 25 colunas, ainda causa espanto.

Em 1513, D. Jaime de Bragança desembarcou com a sua força expedicionária em Mazagão, para tomar Azamor e escreveu a El Rey, relatando-lhe que a baía de Mazagão era o melhor porto do mundo e que precisava neste lugar de uma fortaleza lusa, capaz de conter dois a três mil moios de pão.

Com estas boas notícias e sempre pronto a investir onde necessário fosse para alimentar a população portuguesa, D. Manuel I deu os dinheiros necessários e a obra nasceu.

O trigo africano era comprado por Portugal a bom preço, o que satisfazia tanto os agricultores do interior marroquino, como os transportadores e vendedores muçulmanos locais.

Quem não viu isto com bons olhos, foram os xerifes que se degladiavam entre si pelo trono de Fez e pelo monopólio do comércio.

D. Manuel I faleceu em 1521 (em circunstâncias muito duvidosas), deixando o Reino ao seu filho, D. João III. Este resolveu fazer tudo de forma diferente. Rodeou-se de “ratos de sacristia” e contabilistas e passou a pesar as suas decisões numa balança de conveniência a Roma e de conveniência à estabilidade fiscal do Estado.

Já não houve mais espaço para o amor pátrio nem respeito por quem, longe da metrópole, dava o seu melhor, para manter o Mundo Português em mãos lusas.

Tudo era contabilizado em entradas e saídas financeiras e assim se decidia o destino de milhares de famílias, sem voz nem importância.

Em 1541, o Xerife Mohâmede (o mesmo que mais tarde morreu afogado ao atravessar um rio, na Batalha de Alcácer-Quibir), surgiu com um exército enorme e conseguiu conquistar a mais meridional das praças lusas, Santa Cruz do Cabo de Guê.

Perante a gravidade da situação, que colocou toda a presença portuguesa no Norte de África, em risco, D. João III, deu então atenção aos seus contabilistas, que lhe fizeram ver os custos prováveis de guerras simultâneas em muitas frentes africanas e o pouco proveito que diversas destas praças davam aos cofres do Estado.

Com total ausência de coração, apenas guiado pela lógica racional, D. João III optou pelo abandono das praças portuguesas de Safim, Azamor, Arzila e Alcácer-Céguer.

Milhares de portugueses valentes tinham dado as suas vidas na conquista destas praças. Outros milhares morreram para as tentar manter em mãos lusas. O povo português não conseguiu compreender o seu soberano.

O que estava a acontecer? Onde estavam os homens bons que deviam ter aconselhado o Rei? Estavam nas masmorras da Inquisição, estabelecida em Lisboa, em 1536, ou silenciados por receio.

Onde estavam os valentes cavaleiros da Ordem de Cristo, os da Ordem de Aviz ou os da Ordem de Santiago? Todo o Mundo Português surgiu devido às suas iniciativas!

Os que conseguiram evitar o regresso à Metrópole ficaram no Portugal Além Mar. Os que voltaram, foram encerrados nos conventos, acabando os seus dias nas suas Ordens, transformadas, por decreto papal, em Ordens Monásticas.

Os padres franciscanos compreendiam o povo mas também não ousavam levantar a sua voz. Os dominicanos colaram-se ao poder estabelecido e ao Santo Ofício, desmascarando e acusando qualquer pensador que não se vergasse.

Portugal estava a sucumbir!

O monarca, pio e obediente às ordens de Roma, sujeito aos raciocínios frios dos seus conselheiros contabilistas, começou a cortar, fatia por fatia, o Mundo Português e a atirá-lo aos “cães”.

Pode e deve-se perguntar: “ CUI BONO?” (A quem é que isso convém?).

A verdade nua e crua é:

1º - aos comerciantes de Veneza (mosaístas, em grande parte), os principais financiadores dos Papas.

2º - aos seus aliados de Alexandria e Constantinopla (mosaístas e muçulmanos), que detiveram o monopólio do comércio asiático e africano para a Europa, pela porta de Veneza, durante muitos séculos.

Este monopólio foi abalado aquando da entrada da pequena esquadra de Vasco da Gama no Índico.

3º - aos soberanos espanhóis e suas cortes de Nápoles e da Sicília, todos interligados com as rotas comerciais mosaístas-muçulmanas e com acordos secretos, estabelecidos com muitos dos soberanos norte-africanos.

O aparecimento de Portugal no horizonte financeiro-comercial há muito estabelecido surtiu grande apreensão, ao ponto de sentirem necessidade de acabar de vez com este intruso!

D. João III foi ingénuo, acabando por causar grande desgraça sem sequer se dar conta disso.

É muito fácil aos historiadores encartados, apontar o dedo a D. Sebastião como sendo o causador da grande desgraça de Alcácer-Quibir. Não têm a coragem de ver, que a Campanha Africana de D. Sebastião foi a resposta do Desejado aos graves erros cometidos por seu avô.

Se D. João III não tivesse abandonado as praças africanas e se submetido ao Santo Ofício e seus contabilistas sem coração luso, D. Sebastião teria ficado em Almeirim e Sintra, a caçar javalis!

D. João I e o Santo Condestável identificaram-se com a lusa gente. Foi do Povo Português que lhes nasceu a força para impedir que Portugal ficasse integrado em Castela.

O Infante D. Henrique abriu a porta lusa ao mar e, de repente, Portugal expandiu-se.

D. Afonso V continuou a plantar a Bandeira das Quinas em terras africanas e D. João II soube dirigir a nação para que cumprisse a sua 2ª razão de existência, a acção missionária cristã em todo o globo.

D. Manuel cumpriu o papel que lhe foi dado pelos seus antecessores, mas. D. João III deitou tudo a perder.

Assim pensava o Povo e os Franciscanos concordavam com ele.

D. João III teve 9 filhos e todos faleceram antes do nascimento de D. Sebastião.

O cognome O DESEJADO foi o Povo que lho deu e foi nele que se depositaram todas as esperanças de que Portugal se salvasse.

Era o Povo que era Português!

O mesmo não se podia dizer dos poderes estabelecidos.

A Igreja era uma ponta de flecha dos interesses de Roma.

Apenas os franciscanos se preocupavam com os interesses do Povo Português.

O Monarca, D. João III, apenas tinha ouvidos para sua mulher, D. Catarina, irmã de Carlos V, o irmão, o Inquisitor-Mor, Cardeal D. Henrique, e para os seus conselheiros contabilistas sem coração.

Nesta desgraça, nunca devidamente estudada por inconveniência, surge um Rei-Menino, símbolo da esperança.

Em 1562, data do quadro que retrata D. Sebastião, aos oito anos de idade, vestindo uma armadura de Augsburgo, que lhe foi oferecida pelo Imperador Fernando, irmão de Carlos V, o Rei-Menino surge com o martelo bico de corvo, símbolo do Santo Condestável, como se estivesse pronto a liderar o Povo Português.

Precisamente neste ano, aconteceu algo que os cérebros racionais não conseguem entender.

Mazagão foi cercada por um exército gigante, que levava consigo um dos maiores canhões muçulmanos, sob o qual tombaram diversas fortalezas.

As notícias do grave perigo em que se encontrava Mazagão, afligiram o Povo Português.

O Paço, porém, não mostrou sinais de pretender enviar reforços.

D. João III já falecera. Era D. Catarina que reinava, em nome de D. Sebastião, ainda menor. Tanto a avó do Rei, como o tio, o Cardeal D. Henrique, não souberam lidar com a situação.

Pescadores, marinheiros, camponeses, soldados, cavaleiros, fidalgos, barbeiros, carpinteiros, pedreiros, sentiram a revolta a favor da Lusa Pátria dentro de si e gritaram: “ÁS ARMAS! TEMOS DE SOCORRER MAZAGÃO!”. Correram para os portos e embarcaram para aquela fortaleza. Poucas armas e víveres levaram consigo. Se o Paço nada decidia, então o Povo fez o que sabia estar certo: “PARA MAZAGÃO e já!”

Vieram do Algarve, do Alentejo, do Norte e até da Ilha da Madeira.

Fidalgos e plebeus, soldados e civis, com alguns franciscanos à mistura, fizeram-se ao mar e chegaram a Mazagão, em plena batalha.

Lutaram tão heroicamente, que aos Governantes no Paço não restou outra solução senão a de apadrinhar esta rebelião e assumir a sua liderança, enviando mais reforços.

Perante este mar de gente, vindo sem ordem nem soldo, seguindo apenas o seu coração, sem pensamentos de raciocínio lógico, ficou o mundo estupefacto!

O Rei mouro retirou-se (com pesadas baixas), juntamente com dezenas de milhares de cavaleiros e a sua peça de artilharia gigante.

Mazagão foi libertada!

Não por D. Catarina, nem pelo Cardeal D. Henrique, mas pelo sentimento popular, albergado na chama lusa, que estava acesa porque já havia um REI-MENINO! Neste é que se depositavam todas as esperanças da salvação de Portugal!

Foi neste momento, em Mazagão, que nasceu a Fé no Sebastianismo.

Nenhum contabilista a compreenderá, mas quem amar Portugal perceberá!

Não foi D. Sebastião quem criou o Sebastianismo!

Apenas cumpriu a sua razão de existência, abraçando-o e encabeçando-o!

Errou sobre muitos aspectos e acabou por despoletar grande desgraça.

Mas pelo menos TENTOU!

É na tentativa do caminho irracional, na realização do sonho, no dar tudo por tudo, inclusive a própria vida, para que o Bem aconteça, que brota a força ilimitada do Sebastianismo!

É a pequena semente que cresce e levanta um rochedo, é a flor da primavera que rompe o manto da neve, é a força da vontade do marinheiro, que remando um pequeno batel atado a uma nau, acaba por tirar o grande navio da zona de calmaria dos ventos, para salvar a tripulação da morte certa e recolocar a grande embarcação no bom caminho da sua viagem. Quando vê finalmente as velas de novo enfunadas pelo vento, sente-se recompensado pelo grande esforço. Se morrer na tentativa, deu o que podia dar!

Na inércia é que está o maior dos erros!

E desta ninguém pode acusar D. Sebastião!

Por Rainer Daehnhardt

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