I.
O período da hegemonia mundial das potências europeias,iniciado em 1500, entrou em colapso durante as chamadas “descolonizações”,desde o Médio Oriente até à África (1955-1975), para vir a ficar aparentementeconcluído, em 1991, com a desagregação da URSS. Porém, dois anos depois,através do tratado de Maastricht, levantou-se a possibilidade da UE poder virter capacidade para contrabalançar a hegemonia dos EUA. Os EUA deixaram dereprimir os nacionalismos europeus e podemos estar agora a assistir ao estertorfinal do projecto de Maastricht.
Com o tratado de Maastricht, o “projecto Europeu” passoua estar sob o domínio do “directório franco-alemão”, mas é possível que aactual crise da Zona Euro, que não é apenas financeira e económica, venha adanificar seriamente a sua coesão. O que me parece hoje claro, é que a actualcrise da Zona Euro levou o projecto de Maastricht para um abismo do qual sómuito dificilmente sairá incólume.
Com o fim do projecto de Maastricht, uma nova era mundialpós-europeia pode vir a ter condições para despontar, mas estamos ainda em fasede transição muito indefinida e incerta: os EUA continuam a ser a mais poderosapotência mundial, mas sem ser omnipotente; a Rússia está a recuperar do colapsoda URSS, mas continua em busca de um lugar correspondente ao seu poderio; aChina tem vindo a emergir no seio de um sistema económico-financeiro e políticointernacional que não controla; o Brasil e a Índia estão também em emergência,mas permanecem algo indefinidos quanto à configuração de um novo equilíbrioglobal de poderes.
No espaço da Eurásia, e em particular na península a quechamam “Europa”, não é ainda claro o que vai resultar do colapso do projecto deMaastricht.
A criação da Zona Euro surgiu na sequência lógica deMaastricht, mas foi criada para mitigar os receios da França perante areunificação alemã. A ideia era a de que a França poderia beneficiar da riquezade uma Alemanha que não voltaria a estar em posição de ferir os interesses dosoutros Estados europeus. A Alemanha reunificou-se e, não obstante a suaretórica em prol do “projecto Europeu”, começou a actuar como um verdadeiroEstado, não gostando que outros falem por si e menos ainda que obtenhamvantagens à sua custa. A partir de 2008, ao começar a desenhar-se a crise dasdívidas soberanas, a Alemanha começou por utilizar a sua superior posiçãoeconómica e financeira para obter vantagens políticas no quadro institucionalda UE (através do FEEF), com claros desígnios de intrusão nas soberaniasresiduais dos Estados da Zona Euro. Para os Estados periféricos, permanecer naZona Euro passou a significar a aceitação de uma ditadura orçamental definidaem Berlim, uma austeridade que conduz à sua asfixia económica e a posteriorvenda, a preço de saldo, de participações em empresas estratégicas. Nos últimosdias, com o agudizar das crises na Grécia e na Itália, a intrusão e a chantagemsubiram de conteúdo e de tom: os governos dos periféricos terão de ser detecnocratas, em “união nacional”, sob pena de uma “Europa a duas velocidades”. Arcus nimis intensus rumpitur, diziam oslatinos - o arco, se for muito retesado,pode vir a quebrar.
Entretanto, mesmo que o arco não quebre, a Alemanha tem estadoem claro processo de acomodação com uma Rússia que, depois da guerra na Georgia,espreita oportunidades para a construção da “Casa Comum Europeia” anunciada porGorbatchov na “Perestroika”. Qualquerque venha a ser o desfecho da presente crise da Zona Euro, é muito provável queo eixo do poder das potências Europeias se desloque para Leste: o eixofranco-germânico tenderá a perder terreno face ao eixo germano-russo.
A França, que queria prender a Alemanha através do Euro,está assim hoje numa encruzilhada e tem permanecido uma incógnita, mas pode vira sair da esfera alemã e, apoiando-se no Grupo de Visegrado e na Espanha,voltar-se-á para o Mediterrâneo.
A Europa está a caminhar para novos equilíbrios, havendodois outros Estados com capacidade para influenciar decisivamente a sua balançade poderes: a Polónia e o Reino Unido. A Polónia tem um mercado internosuficiente para não se deixar submeter à esfera de influência alemã e vaidecerto continuar a buscar aliados no Atlântico. O Reino Unido não vai deixarde querer manter-se como uma potência com aptidão para uma projecção global evai decerto contar com a “Aliança do Norte”.
Na nova configuração de poderes em emergência na Europa,a situação de Portugal na península ibérica tenderá a tornar-se cada vez maispericlitante. A Espanha, muito fortalecida interna e geopoliticamente pelorestabelecimento da Instituição Real na chefia do Estado, vai continuar a seruma potência com capacidade para se projectar simultaneamente no Mediterrâneo eno Atlântico: no Mediterrâneo, não deverá hostilizar a França; no Atlântico,tenderá a explorar cada vez mais as nossas fraquezas. Após a crise, creio que aEspanha se vai manter com capacidade para vir a integrar económica epoliticamente Portugal e mesmo para vir a concorrer com o Brasil no espaçoeconómico da lusofonia.
Em obediência ao projecto de Maastricht, os principaispartidos da área da governação (PS e PSD), submetidos às respectivasinternacionais partidárias, aceitaram que Portugal ficasse integrado naperiferia mediterrânica da Europa, como satélite da Espanha, se bem que numapenínsula ibérica ideal e integralmente submetida a Bruxelas.
Nestas últimas décadas, a desatenção de sucessivosgovernos à sustentabilidade do Estado português, permitindo a destruição departe substancial da nossa economia (agricultura e indústria) a par de umcrescente endividamento externo, conduziram-nos a uma situação de extremafragilidade. O Estado português está hoje, em obediência ao programa de governoda “troika”, no caminho do suicídio.
A política e a acção dos partidos da área da governaçãoestá a pôr em causa a sustentação do Estado português, mas a verdade é que afronteira com a Espanha ainda é visível nos mapas e, mais importante, creio quecontinua a haver uma clara maioria de portugueses favorável à nossa autonomia eliberdade.
Nesta conjuntura, creio que nos cumpre continuar amobilizar os portugueses para a defesa da autonomia do Estado português, o quehoje significa, em termos práticos, pugnarmos pela saída de Portugal da ZonaEuro e do buraco mediterrânico a que os destinaram.
Os realistas portugueses têm que tomar consciência de quenão haverá uma Restauração de Portugal sem que se antes se realize arestauração da República. A restauração da República é a verdadeira condição debase para uma futura restauração da Instituição Real na Chefia do Estado. Talcomo escrevi em 1996 (in “Consciência Nacional”), por ocasião do baptismo doPríncipe Afonso de Santa Maria, “a virtude de uma República restaurada será ade esta ser capaz de se exprimir nos seus mais fundos anseios e aspirações,escolhendo dentre si os seus representantes e pondo à cabeça a sua instituiçãomais representativa — a Realeza. Só colmatando esse duplo défice derepresentação — na base e no topo — se poderá fazer a restauração de Portugal.”
O edifício do Portugal Restaurado ter-se-á que levantarcomeçando pelos alicerces; a restauração da República é a nossa prioridade máxima.Se os portugueses não conseguirem restaurar a república, isto é, se o povoorganizado não conseguir subtrair o controlo do Estado ao domínio absoluto dasoligarquias partidárias, o Estado português pode vir a desaparecer na voragemdos acontecimentos, em submissão total a poderes estrangeiros.
Não excluo a hipótese de uma implosão dos partidos doregime, mas não podemos perder de vista que, no essencial, os partidos políticos em Portugal têm sempre olhadoprimeiro para o seu próprio interesse e, só depois, muito depois, para ointeresse dos portugueses. É o que a História destes dois últimos séculos nosensina e que nos cumpre divulgar mais e melhor.
II
O processo de apropriação do Estado pelas oligarquiaspartidárias iniciou-se na década de 1820, acabando por vencer e consolidar-seapós duas intervenções militares estrangeiras (guerras civis de 1831-34 e1846-47). O primeiro saldo foi terrível: a perda do Brasil, milhares de mortose a economia nacional destroçada.
Depois de 1851, na chamada “Regeneração”, as oligarquiasdos partidos tinham já quase domínio absoluto sobre o Estado. A política dos“melhoramentos materiais” – durante o Fontismo - , quanto à substância e quantoaos efeitos, não foi muito diferente da política do Cavaquismo que marcou estasúltimas décadas de integração europeia. Como é que as oligarquias políticas doperíodo da “Regeneração” resolveram as crises financeiras da segunda metade doséculo XIX? Em verdade, não as resolveram, mas aproveitaram-nas para se virem adesenvencilhar, em 1910, do último obstáculo ao seu domínio absoluto do Estado- a Instituição Real.
Seguiram-se os anos de “balbúrdia sanguinolenta” da 1ªRepública profetizados por Eça de Queirós, até que a “Grande Depressão” levouas oligarquias partidárias a fundirem-se num só partido e ainstitucionalizarem, na prática, uma Ditadura. O problema das finanças públicasficou então resolvido, mas sem libertar a sociedade civil do espartilho doEstado.
O segundo pós-guerra ofereceu às oligarquias, reunidassob a protecção de um autocrata, óptimas oportunidades para negócios eexcelentes condições para o desenvolvimento da economia, mas persistiram atadosa uma visão sem futuro, acabando por desbaratar séculos de vivência ultramarinana miragem de uma “Nação Una” de Minho a Timor. Cumpre-nos lembrar que, nadécada de 50, ao recusarem o restabelecimento da Instituição Real na Chefia doEstado, não só travaram o lançamento de uma Comunidade de Estados Lusófonos –ideia que, em 1959, D. Duarte Nuno de Bragança, apoiou expressamente - comocolocaram Portugal à mercê de antigos e insaciáveis apetites estrangeiros.
Após a derrota de Portugal na ONU, do golpe de Estado emLisboa e do subsequente abandono do Ultramar, as oligarquias conseguiramfirmar-se no retorno ao pluripartidarismo, agora em subserviente obediência àscentrais político-ideológicas europeias. O resultado da sua acção governativanas últimas décadas, ficou nestes últimos anos à vista de todos, provocando aindignação dos portugueses, que têm vindo a deixar de votar, ou a anular ovoto, tanto nas eleições presidenciais como nas eleições parlamentares.
III
A crise de legitimidade do actual regime partidocrático éinsofismável, atingindo hoje a consciência da maioria dos portugueses. Julgoque não podemos continuar agarrados à miragem da contrição dos partidospecadores, exigindo-se-nos a reivindicação clara de um programa de restauraçãoda República em bases populares.
Nos últimos anos, várias personalidades oriundas dopróprio regime têm vindo a público pugnar por alterações no sistema derepresentação política, reclamando quer o estabelecimento de círculosuninominais quer o fim do monopólio da representação por intermédios dospartidos ideológicos.
Em abstracto, tendo apenas por base o princípio daaproximação entre eleitos e eleitores, a reivindicação dos círculos uninominaistem pertinência, mas não podemos perder de vista que uma representaçãoexclusivamente baseada em círculos uninominais, acarretaria uma diminuição dopluralismo ideológico e, após dois séculos de tão forte centralismo estatal emregime oligárquico, poderia vir a propiciar a disseminação de caciquismos debase local ou regional.
Creio que nos devíamos centrar na luta pelo fim domonopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, colocando-a naobediência ao princípio da subordinação do sufrágio inorgânico ao sufrágioorgânico. Em concreto, entendo que se deve pugnar pela subordinação darepresentação dos partidos ideológicos (sufrágio inorgânico, universal, depreferência em círculo único) a uma representação proveniente dos municípios (sufrágioorgânico, local).
Na minha perspectiva, a República poderá vir a serrestaurada através de um sistema bicamaral de representação, com uma CâmaraBaixa de partidos político-ideológicos e uma Câmara Alta de representação dosmunicípios. A Câmara Baixa deverá ser o órgão legislativo e a Câmara Alta oórgão referendário das leis gerais do Estado, dos programas de governo e dosorçamentos. Em palavras simples e directas, direi que se trata de forçar ospartidos político-ideológicos a encontrarem soluções que respondam aos anseiose às necessidades do país real representado através dos seus Municípios.Impõe-se pôr fim a este ciclo de destruição nacional, no qual os políticos dospartidos se têm limitado a procurar seduzir a massa ignara dos que ainda votam.
Estando ainda muito disseminada a superstição dosufrágio, julgo que a escolha dos representantes dos Municípios para a CâmaraAlta poderá vir a ser feita por uma eleição realizada entre os presidentes deJunta de Freguesia, mas haveria vantagem em disseminar a memória das nossasantigas práticas de democracia concelhia, em que os pelouros de administraçãoeram sorteados entre os seus homens-bons. O ideal seria que a referida CâmaraAlta viesse a ser constituída por presidentes de Junta de Freguesia sorteadosnos respectivos Municípios. Os actuais presidentes de Junta de Freguesia, quecorrespondem afinal aos nossos antigos homens-bons dos Concelhos, poderiamtambém vir a fazer entre si o sorteio dos órgãos de administração municipal,distrital ou regional.
Em dois séculos de História, a exclusividade do sufrágiouniversal inorgânico e o monopólio da representação por intermédio de partidosideológicos, já deu bastas provas de que não é capaz de servir o bem comum dosportugueses.
IV
A exemplo do que tem vindo a acontecer na Grécia, a criseda Zona Euro pode também vir a provocar em Portugal graves problemas de ordempública. Não é de excluir que, com o aprofundar da crise, venham a surgirtumultos, situações de desobediência civil e mesmo acções violentasconcertadas, propiciadoras de situações insurrecionais.
Em tal ambiente, e sendo a via referendária ou plebiscitária a que tem amaior e a mais expedita capacidade de resolução nas grandes questões do Estado,não é de excluir que as oligarquias políticas a venham a utilizar para umaentrega aberta ou dissimulada a centros de poder estrangeiros: os referendossão em regra ganhos por quem detém o poder no Estado e/ou nos meios decomunicação. Eis uma razão acrescida para insistir nas virtudes da democraciaorgânica e da representação de base municipal: no caso de um súbito agravamentoda crise nacional, temos hoje presidentes de Junta de Freguesia eleitos quepodem vir a assumir uma ruptura com as oligarquias partidárias reunindo emAssembleia Nacional Constituinte.
Restaurada a República, isto é, libertada a República domonopólio da representação por intermédio de partidos, confio que a naçãoportuguesa, de novo senhora dos seus destinos, compreenderá e reclamará a Instituição Real para a chefiado Estado, para assumir as supremas magistraturas da Justiça, Forças Armadas eDiplomacia.
Com a Instituição Real na Chefia do Estado, não só asseguraremosa nossa esplêndida fronteira com a Espanha como estaremos em condições delançar em sólidas bases histórico-culturais uma fecunda Confederação de EstadosLusófonos.
José Manuel Quintas
José Manuel Quintas
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