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As Constituições Republicanas Portuguesas (1911, 1933 e 1976) proibiram sempre a alteração da forma republicana de governo, o que põe em causa a sua "constitucionalidade" conforme explica o autor desta Conferência.
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Conferência proferida em 13 de Novembro de 2010 na Associação Cultural Amigos de Gaia
Miguel de Lucena e Leme Corte-Real
(Advogado)
(Advogado)
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"Pode haver soluções políticas legiferadas ao mais alto nível da hierarquia das fontes de direito, por conseguinte a nível de Constituição, mas que sejam, elas próprias, intrinsecamente inconstitucionais."
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Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Transmitiu-me o meu Ilustre Colega e meu Excelente Amigo, Senhor Dr. Artur Lopes Cardoso, o honroso convite para hoje aqui vir tratar da problemática inerente à “Queda da Monarquia”. Estou certo que outras pessoas, que não eu próprio, estariam bem mais habilitadas para adequadamente assegurarem o tratamento deste tema. Mas não pude, todavia, dizer que não ao Senhor Dr. Artur Lopes Cardoso. E por isso aqui estou hoje, nesta sala e perante esta ilustre assembleia, a apresentar umas quantas notas, que são as que me pareceram ser as mais curiais: no âmbito exactamente do tema proposto.
Importa referir que não sou de todo um expert na matéria: nem no domínio da abordagem da Ciência Histórica, em termos gerais, mas também naturalmente em termos específicos e quanto aos concretos factos históricos atinentes à substituição, em Portugal, do Regime Monárquico pelo Regime Republicano. Com essas limitações, que me perdoarão, vou pois tentar enquadrar o assunto e expor umas quantas ideias que me parece poderem ser tidas em consideração na abordagem deste tema.
Antes ainda de nele entrar, ou quiçá nele entrando objectivamente, impõe-se-me fazer uma declaração de princípio: sou convictamente monárquico e, por assim ser e inerentemente, sou convictamente anti-republicano. Considero, com efeito, que no caso Português, o regime político adequado, no que tange à problemática da Chefia de Estado, é a Monarquia.
Transmitiu-me o meu Ilustre Colega e meu Excelente Amigo, Senhor Dr. Artur Lopes Cardoso, o honroso convite para hoje aqui vir tratar da problemática inerente à “Queda da Monarquia”. Estou certo que outras pessoas, que não eu próprio, estariam bem mais habilitadas para adequadamente assegurarem o tratamento deste tema. Mas não pude, todavia, dizer que não ao Senhor Dr. Artur Lopes Cardoso. E por isso aqui estou hoje, nesta sala e perante esta ilustre assembleia, a apresentar umas quantas notas, que são as que me pareceram ser as mais curiais: no âmbito exactamente do tema proposto.
Importa referir que não sou de todo um expert na matéria: nem no domínio da abordagem da Ciência Histórica, em termos gerais, mas também naturalmente em termos específicos e quanto aos concretos factos históricos atinentes à substituição, em Portugal, do Regime Monárquico pelo Regime Republicano. Com essas limitações, que me perdoarão, vou pois tentar enquadrar o assunto e expor umas quantas ideias que me parece poderem ser tidas em consideração na abordagem deste tema.
Antes ainda de nele entrar, ou quiçá nele entrando objectivamente, impõe-se-me fazer uma declaração de princípio: sou convictamente monárquico e, por assim ser e inerentemente, sou convictamente anti-republicano. Considero, com efeito, que no caso Português, o regime político adequado, no que tange à problemática da Chefia de Estado, é a Monarquia.
Por que razão cheguei eu a esta conclusão?
Admito e convenho: numa primeira fase, por inequívoca influência de casa dos meus Pais, ambos convictamente monárquicos. Sintomaticamente: ambos com postura distinta quase diria oposta na análise do Processo Histórico Português: o meu Pai claramente ligado à perspectiva conservadora, miguelista, tradicionalista; a minha Mãe claramente filiada na corrente do pensamento liberal.
É curioso que esta diferenciação de perspectivas tem que ver claramente com aspectos passíveis de uma interpretação à luz das regras da sociologia: o meu Pai integra e faz parte de uma Família tipicamente de província e, ao contrário, a minha Mãe, pelo lado materno dela, faz parte de uma Família tipicamente da cidade, de Lisboa, sendo esta terra sempre mais avançada na política, ou na cooptação do mais avançado pensamento político. O que refiro, mas sem que com isto pretenda sustentar que se trata sempre, esse pensamento político mais avançado, do melhor pensamento político!
Como quer que seja, impõe-se-me dizer que a minha adesão à ideia monárquica tem essa génese que assinalei. Tratou-se assim de uma adesão afectiva, aquela que dispensei à Causa do Rei. E que à Causa do Rei me mantém ligado: por a considerar a Causa de Portugal.
Se assim foi, todavia, à medida que me fui formando intelectualmente, fui solidificando a minha adesão raciocinada à solução monárquica. De tal forma que, hoje em dia, em termos de expressão do que penso em termos políticos, considero que a dicotomia “Monarquia versus República” é uma dicotomia inadmissível, isto porque põe lado a lado, na mesma posição, uma solução constitucional a Monarquia, por um lado; e uma solução inconstitucional a República, por outro lado.
Isto pode parecer contraditório.
Mas efectivamente não é contraditório.
Admito e convenho: numa primeira fase, por inequívoca influência de casa dos meus Pais, ambos convictamente monárquicos. Sintomaticamente: ambos com postura distinta quase diria oposta na análise do Processo Histórico Português: o meu Pai claramente ligado à perspectiva conservadora, miguelista, tradicionalista; a minha Mãe claramente filiada na corrente do pensamento liberal.
É curioso que esta diferenciação de perspectivas tem que ver claramente com aspectos passíveis de uma interpretação à luz das regras da sociologia: o meu Pai integra e faz parte de uma Família tipicamente de província e, ao contrário, a minha Mãe, pelo lado materno dela, faz parte de uma Família tipicamente da cidade, de Lisboa, sendo esta terra sempre mais avançada na política, ou na cooptação do mais avançado pensamento político. O que refiro, mas sem que com isto pretenda sustentar que se trata sempre, esse pensamento político mais avançado, do melhor pensamento político!
Como quer que seja, impõe-se-me dizer que a minha adesão à ideia monárquica tem essa génese que assinalei. Tratou-se assim de uma adesão afectiva, aquela que dispensei à Causa do Rei. E que à Causa do Rei me mantém ligado: por a considerar a Causa de Portugal.
Se assim foi, todavia, à medida que me fui formando intelectualmente, fui solidificando a minha adesão raciocinada à solução monárquica. De tal forma que, hoje em dia, em termos de expressão do que penso em termos políticos, considero que a dicotomia “Monarquia versus República” é uma dicotomia inadmissível, isto porque põe lado a lado, na mesma posição, uma solução constitucional a Monarquia, por um lado; e uma solução inconstitucional a República, por outro lado.
Isto pode parecer contraditório.
Mas efectivamente não é contraditório.
Para demonstrar que assim é, vale a pena enunciar aqui a constatação de que pode haver soluções políticas legiferadas ao mais alto nível da hierarquia das fontes de direito, por conseguinte a nível de Constituição, mas que sejam, elas próprias, intrinsecamente inconstitucionais. Clarificando: as Constituições Republicanas Portuguesas a de 1911, a de 1933 e a de 1976 podem conter em si, e efectivamente contêm em si, quanto à questão da Chefia do Estado, uma solução inconstitucional, qual seja a de que esta é deferida a um Presidente da República.
Quero dizer com toda a clareza: o exercício da função de Chefe do Estado por um qualquer cidadão que para tanto seja eleito, quer o seja através do funcionamento de um colégio eleitoral, quer o seja por sufrágio universal e directo de todos os cidadãos integrantes da Comunidade Nacional, traduz sempre uma ocupação ilícita inconstitucional, por conseguinte do lugar de Chefe de Estado, por quem não tem legitimidade constitucional para tanto. Pese embora haja constituição formal e escrita que formule e imponha uma tal solução. É que uma tal formulação constitucional e essa é a que tem consagração nas faladas três Constituições Republicanas é intrinsecamente inconstitucional.
Repare-se e para que insubsistam dúvidas: não está aqui em causa a pessoa concreta que em cada momento histórico, e desde que efectivamente em Portugal vivemos em Regime Republicano, tenha exercido, esteja a exercer, ou venha a exercer uma tal função. Ao sustentar o ponto de vista que me encontro a apresentar o da inconstitucionalidade substancial da solução republicana não procedo a uma apreciação de nenhuma figura histórica concreta, antes, isso sim, tenho meramente em vista um dado objectivo e dele parto para a análise do problema.
Perguntar-se-á:
- Como é possível que um conjunto normativo jurídico, que se contenha em um diploma fundamental em suma: numa constituição , possa conter em si soluções, seja a propósito do que quer que seja, que sejam inconstitucionais?
- Não estaremos aqui face a uma contradição intrínseca do pensamento apresentado?
Quero crer que não.
Desde logo e a este propósito direi que não estou sozinho na apresentação deste ponto de vista. Com efeito, a possibilidade de haver normas formalmente constitucionais, que sejam porém substancialmente inconstitucionais, é assunto debatido no mundo dos cultores do Direito Público. E conclui no sentido de uma tal possibilidade, por exemplo, o autor alemão Otto Bachof, Professor da Universidade de Tubingen, na sua obra “Normas Constitucionais Inconstitucionais?”, obra esta que se encontra traduzida para Português pelo Professor Doutor José Manuel Cardoso da Costa, da Universidade de Coimbra, que a prefacia notavelmente bem, falando a propósito de uma categoria jurídico constitucional qual seja o do Direito Supra Constitucional. E este autor alemão, refiro-o em nota lateral, vai mesmo ao ponto de sustentar a sindicabilidade, pela via judicial, no âmbito da verificação da constitucionalidade das normas jurídicas, de normas que, sendo formalmente normas constitucionais, não o sejam, ou que possam não o ser, material ou substancialmente.
Abordando também de alguma forma esta problemática, poderei referir o Doutor Paulo de Castro Rangel, Professor da Universidade Católica, Faculdade de Direito // Porto, o qual, na sua nota bibliográfica inserta na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, Tomo I, Janeiro de 2002, a propósito do estudo sobre Direito Constitucional Italiano “A Constituição Impossível” da autoria de Giorgio Rebuffa, escreve que "a ideia central que percorre toda a obra é a de que a Itália nunca logrou ter uma constituição «normativa»,..., mas viveu sempre em função de uma «cultura política» que se sobrepôs à constituição escrita", ou seja, à constituição em sentido formal.
Esta situação jurídica, da norma constitucional que porém seja inconstitucional, pode ilustrar-se com o seguinte: Portugal, como realidade política, resultou (e resulta) de um acto político e jurídico constituinte ou fundacional: Portugal é: de per si; e constituiu-se a si próprio e auto definiu-se, proclamando-se como País Independente e sintomaticamente como Monarquia. Estamos pois face a um acto político próprio, que auto integrou em si, concomitantemente, um concreto acto jurídico-constitucional, sendo este acto também, evidentemente, constituinte.
Dir-se-á que a Independência de Portugal resulta da conjugação do resultado da Conferência de Samora, de 5 de Outubro de 1143, na qual Afonso VII de Leão reconheceu em definitivo D. Afonso Henriques como Rei de Portugal, com a Bula Papal de Alexandre III, o qual, por seu turno, em 1179 também reconheceu o direito de D. Afonso Henriques se apelidar Rei, assim tendo concomitantemente reconhecido a plena validade do que foi contratualizado naquela mesma Conferência de Samora e, inerentemente a Independência de Portugal. Não é todavia exactamente assim, isto porque quer a Conferência de Samora, quer também o subsequente Reconhecimento Papal, como actos jurídicos que iniludívelmente são, de Direito Internacional Público, são porém exógenos ao concreto acto político e jurídico fundacional. Este é-lhes anterior e decorre, ou é manifestação, de um querer político nacional interpretado executado pelo Rei D. Afonso Henriques. E, quanto ao Tratado saído da Conferência de Samora, o que essencialmente está em causa é um reconhecimento jurídico, pela parte do Rei de Leão, reconhecimento jurídico que traduz a aceitação de uma realidade de facto, criada antes por uma vontade política colectiva, da comunidade, realidade essa que foi interpretada e executada pelo Rei primeiro e que evoluiu para uma realidade com tutela jurídica à luz dos princípios de Direito Internacional Público.
Disto mesmo decorre a necessidade de constatar-se que estamos aqui perante a existência de um princípio matricial constitucional, qual seja o que reconhece a validade plena do direito à Independência Nacional. A Independência Nacional é assim um direito absolutamente indisponível, caracterizado por uma nota de fundamentalidade ou de essencialidade que assume a natureza de princípio constitucional fundamental e que é matricial à ideia de país ou de nação.
A realidade enunciada potencia que, mesmo que haja uma qualquer concreta constituição que estabeleça no seu articulado o princípio inerente à possibilidade de derrogação da Independência Nacional, então isso quererá dizer que uma tal solução constitucional será naturalmente inconstitucional. E isto é assim exactamente porque “as constituições nada significam, se a informá-las não estão os sentimentos e a inteligência da nação”, como bem se escreve na pág. 42 da obra “Salazar e Alfredo Pimenta Correspondência 1931-1950”, edição Verbo, com prefácio de Manuel Braga da Cruz.
Ao auto constituir-se, Portugal arrogou-se o direito de ser uma Nação soberana. E, como se isto não bastasse e até bastaria , a verdade é que até aconteceu que funcionaram também as normas de Direito Internacional Público que ao tempo vigoravam no concerto das nações, ou das sociedade politicamente organizadas.
Independência Nacional e inerente sentido de continuidade nacional, eis que temos estabelecido um claríssimo princípio de Direito Supra Constitucional vigente em Portugal e de cariz naturalmente imperativo.
Pois bem:
A Monarquia é o regime político que garante em maior escala o mencionado direito à Independência Nacional, conjugado este com a falada ideia da continuidade nacional, ou seja, como projecção histórica futura. Daqui decorre pois a sua constitucionalidade intrínseca. Por contraposição à inconstitucionalidade intrínseca da República. É que este regime político, efectivamente, assentando, como na verdade assenta, no primado do sistema legitimador do referendo // voto, conferindo primazia, por conseguinte, a meras maiorias conjunturais, possibilita a ocorrência de agressão ao aludido princípio matricial cujo é o princípio da Independência Nacional.
O que nos leva à constatação de que a Monarquia permite e só ela o permite uma vivência de normalidade constitucional, assim se ajustando às tradições, elas próprias de resto também de natureza eminentemente constitucional, do Povo Português, sendo certo que, de sua banda, a República intrinsecamente agride, ou potencia a agressão, do falado princípio matricial constitucional, cujo é o que decorre do direito indisponível à Independência Nacional. A República é naturalmente anti nacional. E exactamente por isso: é inconstitucional.
Ainda agora como resposta ou contradita ao enunciado que venho apresentando, dir-se-á que a História de Portugal demonstra, em termos de factos acontecidos e concretos e que são o que são, porque foram o que foram, e que por isso mesmo são imutáveis, que de constituição apenas pode falar-se a partir exactamente do Liberalismo. Isto porque só a partir deste concreto Tempo Histórico é que houve constituições em Portugal, tendo vigorado até então um sistema de poder real absoluto.
Direi, a este propósito e também em sede de efectiva contradita:
Só a partir do Liberalismo é que houve constituições escritas, isto porque até então pode falar-se com propriedade do que designarei de costume constitucional, de natureza imperativa, com o cunho por conseguinte de norma jurídica, e informado essencial e plenamente pela vigência do aludido princípio matricial atinente à Independência Nacional. O que tudo é suficientemente ilustrado, porque objectivamente actuado em termos de historicidade, desde logo na crise de 1383 a 1385, crise esta que culminou na proclamação e investidura de D. João I como Rei de Portugal. Exactamente por essa ser, e não outra, a solução constitucional.
Impondo-se também constatar, como dito, o sentido de regra jurídica, não escrita embora, que se contém na aludida expressão costume constitucional.
E foi também clara afloração fáctica da actuabilidade efectiva desse princípio o culminar da resistência à ocupação castelhana, culminar esse que foi o levantamento de Portugal em 1 de Dezembro de 1640, com a subsequente proclamação e investidura de D. João IV como Rei de Portugal.
E, falando ainda de uma ideia de constitucionalidade matricial histórica, porque suportada na afirmação sistemática da Independência Nacional e porque verificada no concreto devir histórico, que se nos apresenta agora como consumado, não pode deixar de referir-se o papel essencial das Cortes ao longo também do tempo do Portugal medievo e do Portugal que se lhe seguiu, as quais traduziram o papel essencial da própria comunidade, devidamente representada de acordo com os critérios ao tempo vigentes e aceites na construção da realidade geopolítica que é Portugal.
É evidente que os tópicos que vão adiantados, por exactamente serem tópicos e não mais do que isso, demonstram, ou pretendem demonstrar, a ideia que ab initio apresentei e concernente ao problema da constitucionalidade // inconstitucionalidade dos Regimes Monárquico e Republicano.
Mas a verdade é que, apesar de assim ser, historicamente o Regime Monárquico claudicou. No dia 5 de Outubro de 2010. A História apresenta esse facto, que aconteceu efectivamente, e que, por ser isso mesmo facto histórico , demonstra que uma coisa é o que deveria ou poderia ter sido, outra, bem diversa, é aquilo que pôde ser e que foi.
Por norma, quando falo ou abordo questões históricas, recuso-me a discutir o que seria a realidade, não acontecera este ou aquele concreto facto histórico. É que a realidade é isso mesmo e não mais do que isso: realidade. Quando muito, posso aceitar fazer elaborações conjecturais, mas de todo não mais do que isso. Por assim ser, não vou, hoje e aqui, dizer como seria agora a realidade nacional: se a Monarquia não tivesse claudicado, como na verdade claudicou. Poderá ser, um tal percurso do pensamento, algo divertido. Mas não mais do que isso, porque a indemonstrabilidade das conclusões que se proponham será sempre absoluta e completa.
Assim sendo, procurarei antes fazer um enunciado da causa, ou conjunto de causas, que determinaram o aludido e concreto facto histórico cujo foi o “Crepúsculo da Monarquia”, o qual culminou na “Queda da Monarquia”, com a inerente substituição de um regime constitucional o Regime Monárquico por um outro o Regime Republicano que, nos termos apresentados, tenho como definitiva e irreversivelmente inconstitucional.
Entro pois na História, na História como ciência e que se refere aos factos concernentes ao passado e cujo método traduz a análise do conjunto de fenómenos que determinaram determinado e concreto e efectivo resultado. Noutra formulação se dirá assim que, se um concreto facto histórico aconteceu, então ele será produto de uma causalidade adequada: que o tenha potenciado. A História meramente descritiva diz-nos apenas que em tal momento histórico aconteceu isto ou aquilo. A História como ciência, todavia, procura indagar e precisar quais os acontecimentos eles também factos históricos que hajam determinado a ocorrência concreta do concreto facto histórico que nos propusermos analisar. Os factos, com efeito, têm de ordenar-se: no espaço e no tempo: em vista da determinação das relações de causa e efeito. Um facto histórico determina naturalmente um facto histórico subsequente ou, com mais propriedade, integra um conjunto de factos, conjunto esse que haverá de potenciar outro ou outros factos subsequentes, eles próprios factos históricos também.
Estamos caídos no problema, dissecado no âmbito da disciplina atinente à Teoria da História, da complexidade causal em história. É que é ponto assente que um facto histórico não é a resultante de um outro concreto facto também histórico histórico por naturalmente se situar em tempo anterior , antes, isso sim, o mesmo haverá naturalmente de resultar de um conjunto de outros factos, eles próprios históricos também, que, cada um de per si, mas entendidos em termos conjuntuais, haverão de ter produzido o resultado analisando ou de para ele ter concorrido.
Impõe-se pois discernir, de entre a multiplicidade de factos históricos, que possam, eles próprios, ter contribuído para determinado resultado, este também facto histórico e, por assim ser, antecedente e causa de outros que se lhe sigam, impõe-se pois discernir, dizia, qual ou quais de entre todos hajam sido determinantes. A propósito desta problemática eu diria, central na análise histórica , é pois correcta, por ser elucidativa, a expressão complexidade causal em História.
Ainda a este propósito, impõe-se assinalar que o facto histórico é essencialmente conexo com o homem, enquanto ser dotado de vontade própria e de capacidade para determinar, ou de contribuir para determinar, o devir histórico.
O actor central do facto histórico é pois o ser homem. O que não obvia a que outro circunstancialismo natural não possa dar, e efectivamente não dê, um contributo relevantíssimo e assinalável para a produção de efeitos históricos. Lembremos, a título de exemplo e para ilustrar a afirmação, o Terramoto de 1755. Foi um acontecimento natural. Mas que, exactamente porque foi um acontecimento que aconteceu perdoe-se a redundância terminológica , integra claramente a categoria de facto histórico. A construção da Baixa Pombalina, impulsionada que foi pelo homem, ser pensante e actuante in casu o Marquês de Pombal , aconteceu porque aquele espaço físico, onde a mesma agora se encontra implantada, foi previamente destruído pelo Terramoto. Não fora este fenómeno natural, ele também causa histórica, e não haveria Baixa Pombalina. Porém: não foi apenas este facto histórico natural o determinante. Foi-o também a concreta acção do Poder instituído, concreta acção esta ela também causa histórica verdadeira e própria.
Feita pois que está esta precisão, que se impunha ser feita, vejamos agora a causalidade adequada atinente à “Queda da Monarquia” e à sua substituição pelo Regime Republicano. Ao fazê-lo tenhamos porém presente a ideia nuclear de que é de todo impossível ser-se exaustivo, por um lado e, depois, que não se pretende também afirmar o que poderia ter sido Portugal, e o que seria hoje, não fora aquele concreto facto histórico. Esta perspectiva, aliciante sem dúvida, seria porém um mero exercício intelectual, de todo não passível de experimentação alguma: porque a ciência histórica não é susceptível de experimentação. O que não obvia a que da História não se tirem as ilações que devam tirar-se, também ou sobretudo em ordem a evitar-se a repetição de erros, erros que, por terem acontecido, são factos históricos e que, ao serem estudados, de um tal estudo poderá decorrer que outros factos históricos similares, mas não os mesmos, não aconteçam ou não se repitam. Por assim ser aliás é que considero que, agora, a solução monárquica é a melhor para Portugal. E para a sua projecção no futuro.
A “Queda da Monarquia” em Portugal aconteceu porque facto histórico Portugal foi alvo da sua própria fundação. Não tivera sido Portugal proclamado independente e não teria sido Monarquia e, por assim ser, não haveria a queda deste regime. Logo: a fundação de Portugal foi causa adequada da queda deste regime.
Não vamos tão longe. Quedemo-nos antes por uma breve perspectivação da causalidade adequada e que exactamente é adequada ao resultado finalístico também por dele ser mais próxima.
Direi por conseguinte, aceitando a curialidade da enunciada auto imposta limitação:
Foi no tempo da Rainha D. Maria I, cujo reinado durou de 1734 a 1816, que começou a desenhar-se o fim do chamado antigo regime, isto é, do Regime Monárquico tradicional, e que é aquele que emergiu da assinalada auto proclamação da Independência Nacional, reiterada que foi esta duplamente: pelos acontecimentos integrativos da crise de 1383 1385 e pela Revolução de 1640. Ora, é nesta exacta sequência histórica, a partir do aludido começo do fim do antigo regime, que têm lugar as Invasões Francesas, sendo certo que a influência da Revolução Francesa, no pensar político português, é uma realidade palpável e potenciadora também do resultado finalístico: qual haja sido exactamente a “Queda da Monarquia”.
Também em emergência das Invasões Francesas há que assinalar a saída da Chefia do Estado, D. João VI, para o Brasil, sendo curioso sublinhar-se que foi exactamente esta saída que permitiu salvaguardar, ainda agora, o valor matricial que é a Independência Nacional: a Chefia do Estado deslocou-se da capital do Reino (Lisboa) para outra parte do Todo Nacional (Brasil), o que obviou a que fosse eventualmente aprisionada pelo invasor, caso em que até teria sido legítimo falar-se em agressão externa ao aludido princípio. Quiçá isso teria potenciado outras diversas consequências, em vista até, ainda agora, da salvaguarda do princípio em apreço. Mas, como referido, não é o momento de percorrer esse caminho. Quedemo-nos, isso sim, pela mera constatação de que a saída da Corte Portuguesa para o Brasil foi um aspecto essencial na luta pela manutenção da Independência Nacional.
Mas se isto é assim, como assinalado, o pensamento francês, saído da Revolução Francesa, entrou no espaço do pensamento português e nele fez a sua progressão. De tal modo que isso acabou por consequenciar, num primeiro momento, o eclodir do Movimento Liberal. E começa aqui o novo regime: Monarquia, sem dúvida, mas com o assento tónico no constitucionalismo, dando-se a esta conotação a ideia de constituição em sentido formal, porque escrita.
Dentro desta evolução no tempo importa referir a Carta Constitucional primeiro, depois a Constituição de 1822, também a Guerra Civil entre Liberais e Miguelistas, a qual culminou na plenitude da afirmação do liberalismo constitucional e na postergação do pensamento anterior inerente ao chamado absolutismo real.
Uma breve notação se impõe fazer a este propósito: o absolutismo, como poder absoluto do Rei, foi sempre, em Portugal, algo de mitigado, pois a Comunidade Nacional, toda ela, conjuntual e globalmente, teve sempre, ao longo da História Portuguesa, uma palavra a dizer: também nas Cortes. Mas não só.
De qualquer forma, em resultado da Guerra Civil, teve lugar a consagração efectiva da perspectiva liberal em Portugal: através da constitucionalização formal dos princípios respectivos inerentes àquela formulação doutrinária com origem no pensamento político saído da Revolução Francesa.
E, neste particular, verifica-se uma estruturação do Estado que, num regime liberal embora, foi aumentando os seus tentáculos em vista de condicionar, e condicionando efectivamente, a vida nacional, toda a vida nacional.
São de assinalar marcos históricos importantes, acontecidos neste período. Desde logo a legislação de Mousinho da Silveira, também a extinção das ordens religiosas e a venda dos bens do clero, ainda agora a publicação do Código Civil de 1867, com a consagração, neste diploma estruturante, de uma afirmada corrente do pensamento filosófico político, nos termos do qual tudo gira e se desenvolve em redor do Homem. Curiosamente: com afastamento até da realidade Homem como ser eminentemente social e apenas nessa medida podendo entender-se o seu papel essencial no processo histórico.
Constata-se depois, neste encadeado fáctico, o desenvolvimento económico essencialmente centrado no tempo do Fontismo, este eminentemente caracterizado pelo investimento nas obras públicas.
Em paralelo, assinale-se o crescimento de uma classe média, ela própria também actuante e afirmativa, assistindo-se a fenómenos de fuga para as cidades e de desenvolvimento da emigração para o Brasil. Este território, aliás, nos termos exactamente da ideologia liberal, independentizara-se da Metrópole, podendo explicar-se esta circunstância fáctica à luz também de uma efectiva complexidade causal, de que faz parte também, em termos de essencialidade, um inadequado tratamento político da realidade Brasil pelo poder político Metropolitano. Com o que se refere uma causa próxima deste evento histórico.
De assinalar também, neste enunciado do devir histórico que antecedeu a República, a evolução cultural que se fez sentir e que se reflectiu na literatura nas correntes romântica e realista, afirmando-se ainda o papel primordial da Geração de 70. Neste tempo o pensamento político fervia!
Em toda esta sequência histórica foram-se moldando determinados sentimentos em Portugal. Sentimentos em que tudo foi posto em causa pela invasão de ideias vindas do exterior, e que caíram num caldo de cultura interno perfeitamente conducente a afirmações quantas e quantas vezes irreais. Como se verifica com a ideia de que a República tudo resolveria. Foi porém, como se sabe é a História quem no-lo diz, exactamente o contrário!...
Mas os fenómenos, os acontecimentos concretos factos históricos foram o que foram, sendo aqui de relevar ainda o célebre Ultimato Inglês: quanto à questão do mapa cor-de-rosa. Especialmente este acontecimento teve consequências muito significativas e gravosas, tendo propiciado o nascimento de um ambiente de total abertura à implementação da nova ideia, da ideia republicana, esta também importada de França, França que, ao tempo, era já República.
O sistema degrada-se internamente. Os partidos monárquicos e os seus líderes são o que são: a Nação deixara de os preocupar completamente.
Entretanto, vai-se afirmando o Partido Republicano. Através de uma postura objectivamente muito demagógica, como decorre demonstrado à saciedade do tempo em que passou a ser poder: do tempo republicano. E também, impõe-se dizê-lo, extremamente violenta.
A força da Carbonária, executante no terreno da atitude maçónica, esta por seu turno indutora da solução republicana, as grandes dissensões internas nos partidos monárquicos, a afirmação efectiva e global do Partido Republicano, tudo isto militou no sentido da aproximação ao último acto do drama português: último acto que se traduziu na implantação da República em 5 de Outubro de 1010 e no concomitante derrube da Monarquia Portuguesa.
Em termos agora de causalidade próxima, temos naturalmente a derrota do Rei D. Carlos: que acabou barbaramente assassinado no Terreiro do Paço, e também seu Filho, o Príncipe D. Luís Filipe, e com estes dois assassínios tendo chegado ao fim a tentativa daquele Rei de recuperação do País: através da acção empenhada e competente do Primeiro-Ministro que nomeara, João Franco Castello Branco.
Não caiu a Monarquia Portuguesa: aquando dos assassínios do Rei e do Príncipe. Mas tudo se consumou pouco tempo depois, na sequência da política de acalmação protagonizada no brevíssimo Reinado de D. Manuel II. Política de acalmação que não só não produziu resultados alguns, em termos de preservação do Regime Monárquico, como também, bem ao contrário, deu um impulso decisivo no sentido do seu derrube.
Não caíra a Monarquia no dia 5 de Outubro de 1910 e teria caído em outra próxima data daquela. As causas adequadas próximas, umas, mais afastadas, outras estavam totalmente reunidas. E o seu efeito, dessas causas, era, e foi historicamente, porque em termos de concreto facto acontecido , inevitável.
Para grande mal de Portugal. Como nos dias de hoje dramaticamente se constata e demonstra e na exacta medida em que está em curso uma claríssima violação, pelo Poder Político vigente de natureza republicana do mencionado princípio constitucional matricial que é o que consagra a Independência Nacional.
Porto, 13 de Novembro de 2010
Quero dizer com toda a clareza: o exercício da função de Chefe do Estado por um qualquer cidadão que para tanto seja eleito, quer o seja através do funcionamento de um colégio eleitoral, quer o seja por sufrágio universal e directo de todos os cidadãos integrantes da Comunidade Nacional, traduz sempre uma ocupação ilícita inconstitucional, por conseguinte do lugar de Chefe de Estado, por quem não tem legitimidade constitucional para tanto. Pese embora haja constituição formal e escrita que formule e imponha uma tal solução. É que uma tal formulação constitucional e essa é a que tem consagração nas faladas três Constituições Republicanas é intrinsecamente inconstitucional.
Repare-se e para que insubsistam dúvidas: não está aqui em causa a pessoa concreta que em cada momento histórico, e desde que efectivamente em Portugal vivemos em Regime Republicano, tenha exercido, esteja a exercer, ou venha a exercer uma tal função. Ao sustentar o ponto de vista que me encontro a apresentar o da inconstitucionalidade substancial da solução republicana não procedo a uma apreciação de nenhuma figura histórica concreta, antes, isso sim, tenho meramente em vista um dado objectivo e dele parto para a análise do problema.
Perguntar-se-á:
- Como é possível que um conjunto normativo jurídico, que se contenha em um diploma fundamental em suma: numa constituição , possa conter em si soluções, seja a propósito do que quer que seja, que sejam inconstitucionais?
- Não estaremos aqui face a uma contradição intrínseca do pensamento apresentado?
Quero crer que não.
Desde logo e a este propósito direi que não estou sozinho na apresentação deste ponto de vista. Com efeito, a possibilidade de haver normas formalmente constitucionais, que sejam porém substancialmente inconstitucionais, é assunto debatido no mundo dos cultores do Direito Público. E conclui no sentido de uma tal possibilidade, por exemplo, o autor alemão Otto Bachof, Professor da Universidade de Tubingen, na sua obra “Normas Constitucionais Inconstitucionais?”, obra esta que se encontra traduzida para Português pelo Professor Doutor José Manuel Cardoso da Costa, da Universidade de Coimbra, que a prefacia notavelmente bem, falando a propósito de uma categoria jurídico constitucional qual seja o do Direito Supra Constitucional. E este autor alemão, refiro-o em nota lateral, vai mesmo ao ponto de sustentar a sindicabilidade, pela via judicial, no âmbito da verificação da constitucionalidade das normas jurídicas, de normas que, sendo formalmente normas constitucionais, não o sejam, ou que possam não o ser, material ou substancialmente.
Abordando também de alguma forma esta problemática, poderei referir o Doutor Paulo de Castro Rangel, Professor da Universidade Católica, Faculdade de Direito // Porto, o qual, na sua nota bibliográfica inserta na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, Tomo I, Janeiro de 2002, a propósito do estudo sobre Direito Constitucional Italiano “A Constituição Impossível” da autoria de Giorgio Rebuffa, escreve que "a ideia central que percorre toda a obra é a de que a Itália nunca logrou ter uma constituição «normativa»,..., mas viveu sempre em função de uma «cultura política» que se sobrepôs à constituição escrita", ou seja, à constituição em sentido formal.
Esta situação jurídica, da norma constitucional que porém seja inconstitucional, pode ilustrar-se com o seguinte: Portugal, como realidade política, resultou (e resulta) de um acto político e jurídico constituinte ou fundacional: Portugal é: de per si; e constituiu-se a si próprio e auto definiu-se, proclamando-se como País Independente e sintomaticamente como Monarquia. Estamos pois face a um acto político próprio, que auto integrou em si, concomitantemente, um concreto acto jurídico-constitucional, sendo este acto também, evidentemente, constituinte.
Dir-se-á que a Independência de Portugal resulta da conjugação do resultado da Conferência de Samora, de 5 de Outubro de 1143, na qual Afonso VII de Leão reconheceu em definitivo D. Afonso Henriques como Rei de Portugal, com a Bula Papal de Alexandre III, o qual, por seu turno, em 1179 também reconheceu o direito de D. Afonso Henriques se apelidar Rei, assim tendo concomitantemente reconhecido a plena validade do que foi contratualizado naquela mesma Conferência de Samora e, inerentemente a Independência de Portugal. Não é todavia exactamente assim, isto porque quer a Conferência de Samora, quer também o subsequente Reconhecimento Papal, como actos jurídicos que iniludívelmente são, de Direito Internacional Público, são porém exógenos ao concreto acto político e jurídico fundacional. Este é-lhes anterior e decorre, ou é manifestação, de um querer político nacional interpretado executado pelo Rei D. Afonso Henriques. E, quanto ao Tratado saído da Conferência de Samora, o que essencialmente está em causa é um reconhecimento jurídico, pela parte do Rei de Leão, reconhecimento jurídico que traduz a aceitação de uma realidade de facto, criada antes por uma vontade política colectiva, da comunidade, realidade essa que foi interpretada e executada pelo Rei primeiro e que evoluiu para uma realidade com tutela jurídica à luz dos princípios de Direito Internacional Público.
Disto mesmo decorre a necessidade de constatar-se que estamos aqui perante a existência de um princípio matricial constitucional, qual seja o que reconhece a validade plena do direito à Independência Nacional. A Independência Nacional é assim um direito absolutamente indisponível, caracterizado por uma nota de fundamentalidade ou de essencialidade que assume a natureza de princípio constitucional fundamental e que é matricial à ideia de país ou de nação.
A realidade enunciada potencia que, mesmo que haja uma qualquer concreta constituição que estabeleça no seu articulado o princípio inerente à possibilidade de derrogação da Independência Nacional, então isso quererá dizer que uma tal solução constitucional será naturalmente inconstitucional. E isto é assim exactamente porque “as constituições nada significam, se a informá-las não estão os sentimentos e a inteligência da nação”, como bem se escreve na pág. 42 da obra “Salazar e Alfredo Pimenta Correspondência 1931-1950”, edição Verbo, com prefácio de Manuel Braga da Cruz.
Ao auto constituir-se, Portugal arrogou-se o direito de ser uma Nação soberana. E, como se isto não bastasse e até bastaria , a verdade é que até aconteceu que funcionaram também as normas de Direito Internacional Público que ao tempo vigoravam no concerto das nações, ou das sociedade politicamente organizadas.
Independência Nacional e inerente sentido de continuidade nacional, eis que temos estabelecido um claríssimo princípio de Direito Supra Constitucional vigente em Portugal e de cariz naturalmente imperativo.
Pois bem:
A Monarquia é o regime político que garante em maior escala o mencionado direito à Independência Nacional, conjugado este com a falada ideia da continuidade nacional, ou seja, como projecção histórica futura. Daqui decorre pois a sua constitucionalidade intrínseca. Por contraposição à inconstitucionalidade intrínseca da República. É que este regime político, efectivamente, assentando, como na verdade assenta, no primado do sistema legitimador do referendo // voto, conferindo primazia, por conseguinte, a meras maiorias conjunturais, possibilita a ocorrência de agressão ao aludido princípio matricial cujo é o princípio da Independência Nacional.
O que nos leva à constatação de que a Monarquia permite e só ela o permite uma vivência de normalidade constitucional, assim se ajustando às tradições, elas próprias de resto também de natureza eminentemente constitucional, do Povo Português, sendo certo que, de sua banda, a República intrinsecamente agride, ou potencia a agressão, do falado princípio matricial constitucional, cujo é o que decorre do direito indisponível à Independência Nacional. A República é naturalmente anti nacional. E exactamente por isso: é inconstitucional.
Ainda agora como resposta ou contradita ao enunciado que venho apresentando, dir-se-á que a História de Portugal demonstra, em termos de factos acontecidos e concretos e que são o que são, porque foram o que foram, e que por isso mesmo são imutáveis, que de constituição apenas pode falar-se a partir exactamente do Liberalismo. Isto porque só a partir deste concreto Tempo Histórico é que houve constituições em Portugal, tendo vigorado até então um sistema de poder real absoluto.
Direi, a este propósito e também em sede de efectiva contradita:
Só a partir do Liberalismo é que houve constituições escritas, isto porque até então pode falar-se com propriedade do que designarei de costume constitucional, de natureza imperativa, com o cunho por conseguinte de norma jurídica, e informado essencial e plenamente pela vigência do aludido princípio matricial atinente à Independência Nacional. O que tudo é suficientemente ilustrado, porque objectivamente actuado em termos de historicidade, desde logo na crise de 1383 a 1385, crise esta que culminou na proclamação e investidura de D. João I como Rei de Portugal. Exactamente por essa ser, e não outra, a solução constitucional.
Impondo-se também constatar, como dito, o sentido de regra jurídica, não escrita embora, que se contém na aludida expressão costume constitucional.
E foi também clara afloração fáctica da actuabilidade efectiva desse princípio o culminar da resistência à ocupação castelhana, culminar esse que foi o levantamento de Portugal em 1 de Dezembro de 1640, com a subsequente proclamação e investidura de D. João IV como Rei de Portugal.
E, falando ainda de uma ideia de constitucionalidade matricial histórica, porque suportada na afirmação sistemática da Independência Nacional e porque verificada no concreto devir histórico, que se nos apresenta agora como consumado, não pode deixar de referir-se o papel essencial das Cortes ao longo também do tempo do Portugal medievo e do Portugal que se lhe seguiu, as quais traduziram o papel essencial da própria comunidade, devidamente representada de acordo com os critérios ao tempo vigentes e aceites na construção da realidade geopolítica que é Portugal.
É evidente que os tópicos que vão adiantados, por exactamente serem tópicos e não mais do que isso, demonstram, ou pretendem demonstrar, a ideia que ab initio apresentei e concernente ao problema da constitucionalidade // inconstitucionalidade dos Regimes Monárquico e Republicano.
Mas a verdade é que, apesar de assim ser, historicamente o Regime Monárquico claudicou. No dia 5 de Outubro de 2010. A História apresenta esse facto, que aconteceu efectivamente, e que, por ser isso mesmo facto histórico , demonstra que uma coisa é o que deveria ou poderia ter sido, outra, bem diversa, é aquilo que pôde ser e que foi.
Por norma, quando falo ou abordo questões históricas, recuso-me a discutir o que seria a realidade, não acontecera este ou aquele concreto facto histórico. É que a realidade é isso mesmo e não mais do que isso: realidade. Quando muito, posso aceitar fazer elaborações conjecturais, mas de todo não mais do que isso. Por assim ser, não vou, hoje e aqui, dizer como seria agora a realidade nacional: se a Monarquia não tivesse claudicado, como na verdade claudicou. Poderá ser, um tal percurso do pensamento, algo divertido. Mas não mais do que isso, porque a indemonstrabilidade das conclusões que se proponham será sempre absoluta e completa.
Assim sendo, procurarei antes fazer um enunciado da causa, ou conjunto de causas, que determinaram o aludido e concreto facto histórico cujo foi o “Crepúsculo da Monarquia”, o qual culminou na “Queda da Monarquia”, com a inerente substituição de um regime constitucional o Regime Monárquico por um outro o Regime Republicano que, nos termos apresentados, tenho como definitiva e irreversivelmente inconstitucional.
Entro pois na História, na História como ciência e que se refere aos factos concernentes ao passado e cujo método traduz a análise do conjunto de fenómenos que determinaram determinado e concreto e efectivo resultado. Noutra formulação se dirá assim que, se um concreto facto histórico aconteceu, então ele será produto de uma causalidade adequada: que o tenha potenciado. A História meramente descritiva diz-nos apenas que em tal momento histórico aconteceu isto ou aquilo. A História como ciência, todavia, procura indagar e precisar quais os acontecimentos eles também factos históricos que hajam determinado a ocorrência concreta do concreto facto histórico que nos propusermos analisar. Os factos, com efeito, têm de ordenar-se: no espaço e no tempo: em vista da determinação das relações de causa e efeito. Um facto histórico determina naturalmente um facto histórico subsequente ou, com mais propriedade, integra um conjunto de factos, conjunto esse que haverá de potenciar outro ou outros factos subsequentes, eles próprios factos históricos também.
Estamos caídos no problema, dissecado no âmbito da disciplina atinente à Teoria da História, da complexidade causal em história. É que é ponto assente que um facto histórico não é a resultante de um outro concreto facto também histórico histórico por naturalmente se situar em tempo anterior , antes, isso sim, o mesmo haverá naturalmente de resultar de um conjunto de outros factos, eles próprios históricos também, que, cada um de per si, mas entendidos em termos conjuntuais, haverão de ter produzido o resultado analisando ou de para ele ter concorrido.
Impõe-se pois discernir, de entre a multiplicidade de factos históricos, que possam, eles próprios, ter contribuído para determinado resultado, este também facto histórico e, por assim ser, antecedente e causa de outros que se lhe sigam, impõe-se pois discernir, dizia, qual ou quais de entre todos hajam sido determinantes. A propósito desta problemática eu diria, central na análise histórica , é pois correcta, por ser elucidativa, a expressão complexidade causal em História.
Ainda a este propósito, impõe-se assinalar que o facto histórico é essencialmente conexo com o homem, enquanto ser dotado de vontade própria e de capacidade para determinar, ou de contribuir para determinar, o devir histórico.
O actor central do facto histórico é pois o ser homem. O que não obvia a que outro circunstancialismo natural não possa dar, e efectivamente não dê, um contributo relevantíssimo e assinalável para a produção de efeitos históricos. Lembremos, a título de exemplo e para ilustrar a afirmação, o Terramoto de 1755. Foi um acontecimento natural. Mas que, exactamente porque foi um acontecimento que aconteceu perdoe-se a redundância terminológica , integra claramente a categoria de facto histórico. A construção da Baixa Pombalina, impulsionada que foi pelo homem, ser pensante e actuante in casu o Marquês de Pombal , aconteceu porque aquele espaço físico, onde a mesma agora se encontra implantada, foi previamente destruído pelo Terramoto. Não fora este fenómeno natural, ele também causa histórica, e não haveria Baixa Pombalina. Porém: não foi apenas este facto histórico natural o determinante. Foi-o também a concreta acção do Poder instituído, concreta acção esta ela também causa histórica verdadeira e própria.
Feita pois que está esta precisão, que se impunha ser feita, vejamos agora a causalidade adequada atinente à “Queda da Monarquia” e à sua substituição pelo Regime Republicano. Ao fazê-lo tenhamos porém presente a ideia nuclear de que é de todo impossível ser-se exaustivo, por um lado e, depois, que não se pretende também afirmar o que poderia ter sido Portugal, e o que seria hoje, não fora aquele concreto facto histórico. Esta perspectiva, aliciante sem dúvida, seria porém um mero exercício intelectual, de todo não passível de experimentação alguma: porque a ciência histórica não é susceptível de experimentação. O que não obvia a que da História não se tirem as ilações que devam tirar-se, também ou sobretudo em ordem a evitar-se a repetição de erros, erros que, por terem acontecido, são factos históricos e que, ao serem estudados, de um tal estudo poderá decorrer que outros factos históricos similares, mas não os mesmos, não aconteçam ou não se repitam. Por assim ser aliás é que considero que, agora, a solução monárquica é a melhor para Portugal. E para a sua projecção no futuro.
A “Queda da Monarquia” em Portugal aconteceu porque facto histórico Portugal foi alvo da sua própria fundação. Não tivera sido Portugal proclamado independente e não teria sido Monarquia e, por assim ser, não haveria a queda deste regime. Logo: a fundação de Portugal foi causa adequada da queda deste regime.
Não vamos tão longe. Quedemo-nos antes por uma breve perspectivação da causalidade adequada e que exactamente é adequada ao resultado finalístico também por dele ser mais próxima.
Direi por conseguinte, aceitando a curialidade da enunciada auto imposta limitação:
Foi no tempo da Rainha D. Maria I, cujo reinado durou de 1734 a 1816, que começou a desenhar-se o fim do chamado antigo regime, isto é, do Regime Monárquico tradicional, e que é aquele que emergiu da assinalada auto proclamação da Independência Nacional, reiterada que foi esta duplamente: pelos acontecimentos integrativos da crise de 1383 1385 e pela Revolução de 1640. Ora, é nesta exacta sequência histórica, a partir do aludido começo do fim do antigo regime, que têm lugar as Invasões Francesas, sendo certo que a influência da Revolução Francesa, no pensar político português, é uma realidade palpável e potenciadora também do resultado finalístico: qual haja sido exactamente a “Queda da Monarquia”.
Também em emergência das Invasões Francesas há que assinalar a saída da Chefia do Estado, D. João VI, para o Brasil, sendo curioso sublinhar-se que foi exactamente esta saída que permitiu salvaguardar, ainda agora, o valor matricial que é a Independência Nacional: a Chefia do Estado deslocou-se da capital do Reino (Lisboa) para outra parte do Todo Nacional (Brasil), o que obviou a que fosse eventualmente aprisionada pelo invasor, caso em que até teria sido legítimo falar-se em agressão externa ao aludido princípio. Quiçá isso teria potenciado outras diversas consequências, em vista até, ainda agora, da salvaguarda do princípio em apreço. Mas, como referido, não é o momento de percorrer esse caminho. Quedemo-nos, isso sim, pela mera constatação de que a saída da Corte Portuguesa para o Brasil foi um aspecto essencial na luta pela manutenção da Independência Nacional.
Mas se isto é assim, como assinalado, o pensamento francês, saído da Revolução Francesa, entrou no espaço do pensamento português e nele fez a sua progressão. De tal modo que isso acabou por consequenciar, num primeiro momento, o eclodir do Movimento Liberal. E começa aqui o novo regime: Monarquia, sem dúvida, mas com o assento tónico no constitucionalismo, dando-se a esta conotação a ideia de constituição em sentido formal, porque escrita.
Dentro desta evolução no tempo importa referir a Carta Constitucional primeiro, depois a Constituição de 1822, também a Guerra Civil entre Liberais e Miguelistas, a qual culminou na plenitude da afirmação do liberalismo constitucional e na postergação do pensamento anterior inerente ao chamado absolutismo real.
Uma breve notação se impõe fazer a este propósito: o absolutismo, como poder absoluto do Rei, foi sempre, em Portugal, algo de mitigado, pois a Comunidade Nacional, toda ela, conjuntual e globalmente, teve sempre, ao longo da História Portuguesa, uma palavra a dizer: também nas Cortes. Mas não só.
De qualquer forma, em resultado da Guerra Civil, teve lugar a consagração efectiva da perspectiva liberal em Portugal: através da constitucionalização formal dos princípios respectivos inerentes àquela formulação doutrinária com origem no pensamento político saído da Revolução Francesa.
E, neste particular, verifica-se uma estruturação do Estado que, num regime liberal embora, foi aumentando os seus tentáculos em vista de condicionar, e condicionando efectivamente, a vida nacional, toda a vida nacional.
São de assinalar marcos históricos importantes, acontecidos neste período. Desde logo a legislação de Mousinho da Silveira, também a extinção das ordens religiosas e a venda dos bens do clero, ainda agora a publicação do Código Civil de 1867, com a consagração, neste diploma estruturante, de uma afirmada corrente do pensamento filosófico político, nos termos do qual tudo gira e se desenvolve em redor do Homem. Curiosamente: com afastamento até da realidade Homem como ser eminentemente social e apenas nessa medida podendo entender-se o seu papel essencial no processo histórico.
Constata-se depois, neste encadeado fáctico, o desenvolvimento económico essencialmente centrado no tempo do Fontismo, este eminentemente caracterizado pelo investimento nas obras públicas.
Em paralelo, assinale-se o crescimento de uma classe média, ela própria também actuante e afirmativa, assistindo-se a fenómenos de fuga para as cidades e de desenvolvimento da emigração para o Brasil. Este território, aliás, nos termos exactamente da ideologia liberal, independentizara-se da Metrópole, podendo explicar-se esta circunstância fáctica à luz também de uma efectiva complexidade causal, de que faz parte também, em termos de essencialidade, um inadequado tratamento político da realidade Brasil pelo poder político Metropolitano. Com o que se refere uma causa próxima deste evento histórico.
De assinalar também, neste enunciado do devir histórico que antecedeu a República, a evolução cultural que se fez sentir e que se reflectiu na literatura nas correntes romântica e realista, afirmando-se ainda o papel primordial da Geração de 70. Neste tempo o pensamento político fervia!
Em toda esta sequência histórica foram-se moldando determinados sentimentos em Portugal. Sentimentos em que tudo foi posto em causa pela invasão de ideias vindas do exterior, e que caíram num caldo de cultura interno perfeitamente conducente a afirmações quantas e quantas vezes irreais. Como se verifica com a ideia de que a República tudo resolveria. Foi porém, como se sabe é a História quem no-lo diz, exactamente o contrário!...
Mas os fenómenos, os acontecimentos concretos factos históricos foram o que foram, sendo aqui de relevar ainda o célebre Ultimato Inglês: quanto à questão do mapa cor-de-rosa. Especialmente este acontecimento teve consequências muito significativas e gravosas, tendo propiciado o nascimento de um ambiente de total abertura à implementação da nova ideia, da ideia republicana, esta também importada de França, França que, ao tempo, era já República.
O sistema degrada-se internamente. Os partidos monárquicos e os seus líderes são o que são: a Nação deixara de os preocupar completamente.
Entretanto, vai-se afirmando o Partido Republicano. Através de uma postura objectivamente muito demagógica, como decorre demonstrado à saciedade do tempo em que passou a ser poder: do tempo republicano. E também, impõe-se dizê-lo, extremamente violenta.
A força da Carbonária, executante no terreno da atitude maçónica, esta por seu turno indutora da solução republicana, as grandes dissensões internas nos partidos monárquicos, a afirmação efectiva e global do Partido Republicano, tudo isto militou no sentido da aproximação ao último acto do drama português: último acto que se traduziu na implantação da República em 5 de Outubro de 1010 e no concomitante derrube da Monarquia Portuguesa.
Em termos agora de causalidade próxima, temos naturalmente a derrota do Rei D. Carlos: que acabou barbaramente assassinado no Terreiro do Paço, e também seu Filho, o Príncipe D. Luís Filipe, e com estes dois assassínios tendo chegado ao fim a tentativa daquele Rei de recuperação do País: através da acção empenhada e competente do Primeiro-Ministro que nomeara, João Franco Castello Branco.
Não caiu a Monarquia Portuguesa: aquando dos assassínios do Rei e do Príncipe. Mas tudo se consumou pouco tempo depois, na sequência da política de acalmação protagonizada no brevíssimo Reinado de D. Manuel II. Política de acalmação que não só não produziu resultados alguns, em termos de preservação do Regime Monárquico, como também, bem ao contrário, deu um impulso decisivo no sentido do seu derrube.
Não caíra a Monarquia no dia 5 de Outubro de 1910 e teria caído em outra próxima data daquela. As causas adequadas próximas, umas, mais afastadas, outras estavam totalmente reunidas. E o seu efeito, dessas causas, era, e foi historicamente, porque em termos de concreto facto acontecido , inevitável.
Para grande mal de Portugal. Como nos dias de hoje dramaticamente se constata e demonstra e na exacta medida em que está em curso uma claríssima violação, pelo Poder Político vigente de natureza republicana do mencionado princípio constitucional matricial que é o que consagra a Independência Nacional.
Porto, 13 de Novembro de 2010
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