A monarquia britânica alterou as regras de sucessão ao trono, de uma sucessão por primogenitura com preferência masculina para a sucessão por primogenitura absoluta. Tal mudança já havia ocorrido em outras monarquias europeias e o propósito é dar direitos iguais às princesas nascidas nas Casas Reais.
Na história das monarquias, a alterações nas regras de sucessão sempre ocorreram em períodos turbulentos, e não foram poucas as crises e guerras desencadeadas nestas circunstâncias. No caso das mudanças sucessórias nas monarquias europeias vistas nas últimas décadas, estas também foram efeitos colaterais de um discreto e permanente conflito: a guerra cultural entre a Tradição e a Modernidade. Se regimes apoiados nos costumes e tradições perduravam mesmo nas piores tormentas, uma monarquia que vê esfarelar e desmoronar suas tradições, obviamente cairá com a primeira brisa republicana revolucionária.
Príncipes e princesas – e por extensão homens e mulheres – têm funções diferentes na família. Cabe à parte masculina a responsabilidade pela manutenção da gens, a linhagem patrilinear que honra e perpetua a dinastia; por sua vez, a parte feminina tem a função de cuidar da família nuclear e dar educação aos filhos. São papéis diferentes, porém de igual importância, que respeitam e são mais coerentes com a natureza e particularidades de cada um: o pai volta sua atenção ao mundo, em dar o sustento material para garantir um patri-mônio aos herdeiros; já a mãe volta sua atenção à pessoa, pois seu amor materno é a rocha na qual os vínculos afectivos familiares melhor se sustentam.
Assim, a monarquia não é um regime machista – como alegou o Jornal Nacional da Rede Globo – porque as princesas não são inferiores aos príncipes, apenas têm papéis diferentes. A pretensa valorização das princesas dinásticas segundo a nova regra é um erro tentando corrigir outro. A verdade é que as princesas não precisam ser equiparadas aos príncipes com mudanças sucessórias; as princesas devem sim ser valorizadas tal como eram quando se celebravam os casamentos dinásticos.
A antiga regra de sucessão por primogenitura com preferência masculina dava às dinastias régias uma razoável maleabilidade de perdurar a eventuais percalços – mortes prematuras ou esterilidade – sem perder suas características essenciais. Os príncipes tinham preferência sucessória em seu reino, enquanto as princesas tornavam-se rainhas ao se casar com príncipes de outras Casas – ainda com a possibilidade de elas mesmas herdarem a Coroa natal se isso fosse necessário. Não ocorre situação semelhante nas famílias em que os maridos partem ou são displicentes em suas obrigações paternais? A mulher, como rocha da família, tem de dobrar sua função para complementar a falta do pai. Isso acontece em situações extraordinárias, mas nunca foi recomendável que se tornasse regra. Aliás não é à toa que um dos malefícios advindos do feminismo foi justamente a erosão do espírito materno e consequente enfraquecimento da família.
Ou seja, se a princípio a regra da primogenitura masculina não desvalorizava o elemento feminino na sucessão, isso se tornou facto quando as princesas estrangeiras foram preteridas pelos príncipes herdeiros em favor de esposas plebeias em casamentos desiguais.
O fim dos casamentos dinásticos iniciou-se após a II Guerra Mundial. Actualmente, entre os herdeiros das Casas europeias reinantes, apenas o príncipe-hereditário de Liechtenstein e o duque de Brabant (herdeiro da Bélgica) não se casaram com não-nobres. Das demais Famílias Reais, a fragilização das dinastias fará, com o passar de algumas gerações, que não haja mais diferenças entre nobres e plebeus.
Quando as Casas Reais abandonaram voluntariamente este costume, julgando que seria uma medida democrática e bem vista pelo povo, isto de facto foi um passo pragmático ao republicanismo antimonárquico. Ora, a monarquia não é um regime igualitário, pois valoriza a hierarquia; tampouco o povo, a longo prazo, verá com bons olhos esta “plebeização” – se os Reis se tornaram tão plebeus como nós, porque ainda termos um monarca?
Entrementes, vale ressaltar que é inquestionável que mulheres possam ser rainhas tão boas ou até melhores que muitos Reis. Isabel I de Castela, Isabel I da Inglaterra, Catarina II da Rússia, Maria Teresa da Áustria, Hungria e Boémia, Guilhermina dos Países Baixos e a princesa-regente Isabel do Brasil o atestam. Porém a equiparação das mulheres aos homens na linha sucessória pode enfraquecer a continuidade dinástica. Segundo o genealogista Armando Alexandre dos Santos [Parlamentarismo, sim!. 1992: 217], a família como conjunto de descendentes de um varão determinado em média dura trezentos anos (dez a doze gerações). Para a monarquia, a coroação de rainhas reinantes representa uma quebra de varonia, e consequentemente uma mudança na dinastia reinante por via do cônjuge masculino e seus descendentes. Não há maiores problemas quando estas mudanças ocorrem ao passo de séculos (como os Lorena-Habsburgo na Áustria ou os Orleans-Bragança no Brasil), mas este não será o caso com a nova lei. Agora as mudanças das famílias reinantes serão muito mais frequentes, o que na prática anula a possibilidade de constituição de uma dinastia a longo prazo. Em suma, o avanço do politicamente correcto e a esculhambação (degradação) dos princípios monárquicos abrirão a possibilidade para que nas próximas gerações vejamos Reis britânicos chamados George IX Smith, Ruby I Brown ou até Muhammad Ibrahim Ali Bashir Anwar Kahn... isso se Arthur antes não voltar!
Fonte: Geovani Németh-Torres
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