Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
8:00 Terça feira, 1 de Março de 2011
“Quando eu vejo que há aí palhaços que falam, falam, falam,falam, falam e eu não os vejo a fazer nada, fico chateado, com certezaque fico chateado”. A frase dos Gato Fedorento – inspirada numdesabafo de um concorrente do Big Brother – foi usada vezes sem conta.Quase sempre para acusar outros de falarem muito e não fazerem nada.Não perceberam os plagiadores que, pelo contrário, Ricardo AraújoPereira fazia uma caricatura dos que desprezam a palavra. Desprezam-naduas vezes. Ao usarem-na sem dizerem nada e ao tratarem-na como um meroadereço da ação. Aqueles que não percebem que, como gritava NanniMoretti, em “Palombella Rossa”, “as palavras são importantes”.São mais do que sons. São, elas próprias, ação. Constroem realidade.Quem fala, dizendo alguma coisa, está a fazer alguma coisa.
O filme estrela dos oscares deste ano foi “O discurso do Rei”.Um homem que não esperava sentar-se no trono, mas que recebeu a batataquente nas mãos quando o seu irmão abdicou por se querer casar com umamulher divorciada, acabou por ter um papel central na II GuerraMundial. Como monarca, não podia aprovar leis, criar impostos oudeclarar guerras. A única coisa que tinha a dar ao seu povo era apalavra. E as suas palavras contavam no preciso momento em que o ReinoUnido se preparava para enfrentar a Alemanha nazi. Os inglesesprecisavam dela para suportar os tempos difíceis que aí vinham. Só que Jorge VI era gago. Era ponderado e corajoso. Tinha tudo para ser um líder. Faltava-lhe a palavra.
A capacidade para mobilizar os americanos através das palavras não chega para Obama ser o presidente que prometeu. E não foi a trágica relação de Bush com a sua própria que língua que fez dele o pior presidente da história dos Estados Unidos. Sócrates é um bom orador, mas isso não faz dele um primeiro-ministro competente. Cavaco nãotem qualquer respeito pelas palavras, mas não é apenas isso que fazdele um líder medíocre – apesar de, no lugar simbólico que tem oPresidente, não se tratar de um pormenor. Um político que não domina a palavra é um líder incompleto. Grande parte dos homens e mulheres que recordamos como grandes líderes usaram a palavra para conquistar o nosso respeito.
Portugal passa por um período difícil. E o que aí vem será aindapior. Palavras certas não resolveriam a nossa dívida externa ou aencruzilhada em que a Europa se encontra. Mas, por só elas poderemexpressar ideias, apontar caminhos e dar esperança a um povodesesperado, fazem imensa falta.
Nenhum dos nossos políticos é gago. Mas é como se fossem. Incapazes de mobilizar os que deveriam liderar,não dão sentido a nenhum dos sacrifícios que nos pedem. Não é apenasfalta de talento. Talvez eles próprios não saibam o sentido que estessacrifícios têm.
Quando faltam palavras a um líder temos boas razões para pensar que são as suas ações que gaguejam. Porque as palavras constroem realidade e explicam o sentido do que se faz, são tão importantes como qualquer decisão. Quandoeu vejo que há aí palhaços que fazem, fazem, fazem, fazem, fazem e eunão os ouço dizer nada que se perceba, fico chateado, com certeza quefico chateado. Porque desconfio que não fazem ideia do que andam a fazer.
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