sexta-feira, 28 de outubro de 2011

LAVAR AS MÃOS

O presidente da República criticou publicamente o projecto de Orçamento de Estado que foi entregue no Parlamento, onde deverá ser discutido e votado. Ora, se o OGE ainda não foi aprovado, e se o PR não está de acordo com a proposta, teria sido porventura mais útil que as suas críticas fossem comunicadas no recato dos gabinetes. E se nessa hipótese o PR viesse a discordar da versão final, por entender violado um princípio básico de equidade fiscal, teria então a possibilidade de exercer o seu veto político e de se justificar publicamente.

É claro que o presidente se refugia na teoria de que só tem o poder da palavra, e não ousará, por isso, exercer esses seus poderes constitucionais. É mais fácil para o seu ego, sobre o qual Pulido Valente escreveu uma excelente crónica, tecer críticas e nada fazer, tanto mais que sabe que, no actual contexto internacional, o veto do OGE levaria o país à bancarrota imediata, do que tomar medidas e actuar. No entanto, ao falar, e ao falar neste contexto, tirou o tapete ao Governo e complicou a vida ao PS que hesitava sobre a posição a tomar e que deixou de ter espaço de manobra para votar favoravelmente a proposta do Governo.

Para além da questão formal, Cavaco Silva é um conhecedor da matéria, está informado sobre a situação das contas públicas e sabe das dificuldades com que o Governo se confronta para garantir as metas impostas pela troika. Dir-se-á, em abono da verdade, que o memorando não impõe cortes nos subsídios da função pública, mas sabe-se que exige metas orçamentais que não serão cumpridas se não forem tomadas medidas drásticas do lado da despesa do Estado, onde os gastos salariais representam a grande fatia do bolo. Aliás, Cavaco alinhou pelo coro dos que diziam que o Governo devia actuar do lado da despesa, não se entendendo agora o seu aparente espanto quando o Governo o faz exactamente desse modo. Mas, a sua incongruência não se fica por aqui. Em matéria de responsabilidade pessoal, Cavaco teve culpa. Criou as carreiras, acabou com a agricultura, cobriu o país de cimento. Enquanto PR, não travou as políticas do anterior Governo que agravaram a situação. Quando os funcionários públicos foram aumentados enquanto as contas públicas patinavam e o sector privado vivia horas de aflição, onde estava ele com as suas preocupações sobre equidade? Lavar as mãos pode agradar ao séquito de fiéis seguidores e entusiasmar os seus inúmeros assessores, mas é um jogo perigoso para Portugal, porque instala na população a falsa sensação de que o PR inviabilizará as medidas mais gravosas que nos são impostas pela conjuntura e, pior do que isso, que elas são desnecessárias ou que decorrem de uma opção política do Governo, quando o próprio sabe que resultam de uma necessidade premente e de uma situação de emergência.

Por muito que custe, o Estado não pode continuar a consumir a riqueza que não existe. No sector privado, o ajustamento tem sido feito à custa de falências das empresas, de cortes no investimento, de muitos sacrifícios, da perda de emprego de muitos trabalhadores que também nada fizeram para que isso sucedesse. A haver um problema de equidade, têm sido estes, os trabalhadores do sector privado, os mais fustigados pela crise. Ora, se o Estado está em falência técnica, o reajustamento da sua estrutura de custos é inevitável, por muito que isso implique medidas que parecem injustas (e que muitas vezes o são do ponto de vista individual) e causam sofrimento aos seus trabalhadores que acreditavam que os seus direitos eram inalienáveis.

Em tempo de guerra, e a situação assemelha-se a esse cenário, numa altura em que a esmagadora maioria dos portugueses vive tempos difíceis e se interroga sobre o futuro mas vai aceitando a sua quota-parte nos sacrifícios, em que estamos submetidos a um ultimato que condiciona o rumo da governação, em que o Governo não hesita em comprometer a sua popularidade para cumprir com as metas quase impossíveis que nos são impostas, a actuação calculista do PR configura falta de sentido de Estado e é, por isso, lastimável.

Rui Moreira
Membro do Conselho Superior da Causa Real

JN - 23 de Outubro de 2011

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