Foot Ball Clube do Porto e Football Club Lisbonense defrontaram-se em jeito de Porto-Lisboa. Para disputa de uma taça oferecida por D. Carlos
Em Fevereiro de 1894, Guilherme Pinto Basto aceitou, enfim, o repto de António Nicolau de Almeida. Mas, visionário, tentou colocar a fasquia mais alta, convencendo o Rei D. Carlos a patrocinar o jogo entre as equipas de Lisboa e do Porto. Aquiesceu o rei, oferecendo para disputa uma taça com o seu próprio nome e exigindo apenas que o match fosse incluído no programa oficial das festas comemorativas do Centenário Henriquino, organizadas, no Porto, em homenagem à memória do Infante D. Henrique. A 17 de Março, o «Diário Illustrado» publicou o regulamento da Taça D. Carlos I, que tinha como legenda «Football Championship das Cidades de Portugal». Seria disputada entre teams representativos das cidades de Portugal, e nos campos das cidades que a ganhassem pela última vez, sendo entregue à cidade que a ganhasse em três anos consecutivos.
Exigência real (em nome de um nacionalismo ameaçado por vários flancos) que «pelo menos, teriam de ser portugueses, devidamente comprovados, seis jogadores de cada team representativo» e que só poderiam «tomar parte nos desafios da Taça D. Carlos I os jogadores que pertencessem oficialmente a qualquer clube da cidade com três meses de antecedência».
Mais se preceituava: que no caso de empate, ter-se-ia de jogar novamente no mesmo ano, até que um team ficasse vencedor e que «a cidade detentora do precioso troféu só teria que o defender uma vez por ano, e apenas contra o team que tivesse sido vencedor das outras cidades».
A instituição e disputa da Taça D. Carlos I atingiu tal notoriedade entre a colónia inglesa da época que mereceu relato na «Ilustraded Sporting & Dramatic New», prestigiada revista de Londres, relato ilustrado com uma imagem da equipa do Football Club Lisbonense.
Mais um bocadinho a pedido da rainha
A 2 de Março de 1894 fez-se o jogo. No Campo Alegre, onde os ingleses do Porto jogavam, amiúde, o futebol. Os jogadores de Lisboa, «capitaneados» e seleccionados por Guilherme Pinto Basto, seguiram viagem de comboio para o Porto. À partida, uma despedida entusiástica. 14 horas durou a viagem. Pela noite dentro. Três horas após o desembarque, na Campanhã, o jogo, no campo pertencente ao Oporto Cricktet and Law-Tennis Club. Estava marcado para as três da tarde, mas começaria um quarto de hora depois.
Segundo as crónicas da época, para além de se exaltar o facto de o Rei D. Carlos, a Rainha D. Amélia e os príncipes assistirem ao jogo, afiançava-se que «o terreno do jogo, esplêndido para o cricket, não era dos melhores para a prática do futebol, por descair bastante defronte das balizas».
Pouca consideração tiveram D. Carlos, D. Amélia, D. Afonso e D. Manuel já que, segundo o «Diário Illustrado», «Suas Majestades chegaram ao fim da partida. A pedido de Sua Majestada a Rainha, jogou-se mais 10 minutos, sendo previamente estabelecido que não teriam influência no resultado do match que se tinha acabado de jogar».
Tarde chegaram e para boas-vindas nenhum toque nacionalista. Antes pelo contrário. Nas páginas de «O Sport», o primeiro jornal desportivo de Portugal, o registo da recepção, em tom que não permitia margem para dúvidas, vincando, inclusivamente, a falta de ambiente oficial para a propaganda do futebol e ainda o reflexo político bem quente do Ultimato na população do Porto, sobretudo depois da revolta dos republicanos de 31 de Janeiro: «Às 4 h e 13, Suas Majestades e Altezas, acompanhadas pela sua comitiva, entraram no Campo Alegre, sendo recebidos pelo cônsul e consulesa de Inglaterra, no meio dos mais entusiásticos hurras levantados pelas pessoas presentes. Continuando o jogo, 4 minutos depois de Suas Majestades e Altezas chegarem ao campo, os forwards de Lisboa marcaram um goal». Ironia muito mais subtil se encontraria nas páginas de «O Século», jornal já declaradamente simpatizante de ideais republicanos, que notou que «à entrada do campo, bem como à saída, as Majestades foram muito vitoriadas, principalmente por ingleses, pois quase todos os espectadores pertenciam à colónia inglesa».
O jornal, apesar de se fazer representar por Samuel Benoliel, então o mais afamado repórter fotográfico português, não deu grande amplitude à crónica do desafio, no que se poderá considerar mais um sinal de antipatia, desprezo ou desconfiança pública por tudo o que tivesse conotação ou raiz britânica. Como o futebol.
A última notícia e o letargo
Como resultado do jogo ficou a vitória dos lisboetas, por 1-0. Apesar de dois golos marcados. O primeiro fora apontado quando faltavam 14 minutos para o intervalo e insolitamente anulado. «A bola, marcado um pontapé de canto, bateu no braço de A. Nugentt, um dos defesas do Porto, entrando, de ricochete, nas redes do Norte. A equipa portuense contestou a validade do ponto, por motivo de ter havido mão antes, mão que não fora denunciada, ou que pelo menos o referee não julgou intencional. Eduardo Ferreira Pinto Basto considerou válido o goal, mas o jogo não recomeçou a meio do campo. Não contou pois. O único ponto regido, o segundo do encontro, foi marcado às 4 horas e 19 minutos.»
Não consta das crónicas o nome do marcador do golo. Sabe-se, apenas, que mereceu ser classificado de esplêndido e que para a sua marcação contribuíram Afonso e Carlos Vilar, Rankin e Paiva Raposo. Mas, segundo o «Diário Illustrado», parece que os postes das balizas não se encontravam à distância legal um do outro e que a trave não estava à devida altura. Sobre a equipa do Porto, um simpático comentário: «A equipa é de primeira ordem, distinguindo-se, todavia, Geock, que, quando na Escócia, era o seu primeiro guarda-redes.» Por especificar ficavam os nomes de outros jogadores porque o seu cronista, assumindo, humildemente, o pecadilho, aquiesceu não os «distinguir pelos nomes», apesar de saber e acentuar que um dos seus jogadores, «o mais novo dos Kendalls, tinha apenas 15 anos».
O «Sport», salientando igualmente a prestação de Geock, mas também a de Artur Dagge e Mac Millen, vaticinava: «Se o grupo de Lisboa que, para o ano de 1895, tiver de defender a taça, não se treinar e não tiver muito cuidado na escolha dos jogadores que dele devem fazer parte, decerto bem difícil lhes será poder vencer o match, pois que, à equipa que vimos jogar pelo Porto, a única coisa que lhe notámos foi a falta de treinos, que, no que, estamos certos, não descurarão de futuro, a fim de poderem ganhar a taça, para o ano.»
Oito dias depois, em correspondência do Porto para Lisboa, «O Sport» publicava a seguinte notícia: «Depois do match entre Lisboa e Porto nada tem havido de notável no futebol. Apenas no domingo, 11 de Março, alguns sócios do Foot Ball Club do Porto estiveram no campo do antigo hipódromo de Matosinhos, treinando-se durante duas horas.»
De facto, entre os jogadores que representaram o F. C. Porto, no jogo contra Lisboa, estavam alguns dos que se treinaram pela primeira vez em Matosinhos, como jogadores e fundadores do Foot Ball Club do Porto: A. Nugent, Alfredo Kendall, Eduardo Kendall, Mac Kechnie e F. H. Ponsonby. Ou seja, mais um sinal que prova que o Foot Ball Club do Porto existia e jogava. Foi, contudo, a última notícia publicada referindo-se de forma directa e inequívoca ao Foot Ball Club do Porto de António Nicolau de Almeida. O que pressupõe, desde logo, longo (de 12 anos) e misterioso letargo. Que só sinais dos tempos podem explicar…
Fonte : A Bola
Publicado pelo Portista Rui Monteiro no blogue "Causa Monárquica"
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