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Foi para mim um dia longo e emotivo: às quatro da madrugada, o telefonema dum sobrinho – Bernardo Castelo-Melhor – avisou-me que, de meia em meia hora, o Rádio Clube Português emitia um comunicado do Movimento das Forças Armadas, no qual se falava em liberdade e se apelava à calma e à adesão do povo. Entre cada emissão, ouviam-se canções de José Afonso, de Adriano, de Fanhais, baladas proibidas, todas elas portadoras da esperança da liberdade, do fim da sujeição e do estado ignominioso duma nação privada de direitos.
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Não pude conter a minha impaciência e fui para a rua; também queria ajudar, contribuir para a revolução, associar-me tanto quanto possível ao movimento em curso, e ajudar a rodear o golpe militar da adesão maciça dum povo que queria de novo ser senhor da sua dignidade e do seu destino.
Nas horas que passei no Terreiro do Paço, compreendi a serenidade do ataque e a inércia da defesa. Acima de tudo, pairava o horror a qualquer combate entre irmãos de armas e o cenário da revolução desdobrava-se em afirmações de vontade, em diálogos sem solução e num exame aturado da capacidade e número das forças alinhadas.
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Mas o grande palco da revolução ia ser o largo do Carmo. Pude ver que o Rossio estava totalmente ocupado por forças fiéis ao Governo, bem como a Rua do Carmo e os largos do Camões e do Chiado. A PIDE dominava a António Maria Cardoso e os acessos do Cais do Sodré e Corpo Santo, mas estava fechada com tal medo que, perante gritos hostis dum grupo de rapazes, ceifou dois, que ficaram a ser as poucas vítimas de sangue do 25 de Abril.
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Meu futuro genro, Francisco Ribeiro Teles, hoje secretário da Embaixada de Portugal na ONU, vinha como miliciano com as tropas de Maia – onde só havia voluntários. Confirmou-me, no telhado dum edifício do Carmo onde o fui ver que era verdade a condição de recrutas com instrução quase nula dos soldados comandados por Salgueiro Maia. E desde aí, guardei uma profunda admiração um enorme respeito e uma séria amizade – que sempre se exprime quando se cruzam as nossas vidas distantes – por esse herói tão esquecido e que foi, sem dúvida, como operacional, o elemento-chave da Revolução de Abril.
Fiquei no Carmo até à rendição do Governo. A partir daí, a euforia da vitória inundou Lisboa (…).
* Jornal “A Capital” de 24/04/80, Francisco de Sousa Tavares.
** ”Imagem de Épinal” é uma expressão de origem francesa, aplicada a uma imagem, quando esta assume um significado ingénuo, algo que nos mostra apenas o lado bom de um acontecimento. Francisco de Sousa Tavares refere-se às fotografias que lhe tiraram, quando sentado na guarita do quartel do Carmo, falava com um megafone à multidão.
Publicado por Rui Paiva Monteiro em "Causa Monárquica"
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