D. Carlos I – O Mal Compreendido
Gustavo Pires
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O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, inaugurou no passado dia 1 de Fevereiro de 2008 em Cascais, uma estátua de D. Carlos que representa o rei no iate “Amélia”, uma obra que homenageia um monarca que ficará para a história de Portugal como o “mal compreendido”.
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Cavaco Silva, no seu discurso disse tratar-se de uma merecida homenagem a um dos governantes que mais fez para promover o reencontro simbólico com a natureza nacional e projectar o nome de Portugal no estrangeiro, através do incentivo ao desenvolvimento técnico e científico.
"D. Carlos foi mais do que um homem culto, foi um praticante empenhado da arte e da ciência. Foi um rei, um sábio, mas também um fazedor. Tinha plena consciência de que só a junção do conhecimento científico com a aplicação prática criava condições para o desenvolvimento do país e uma melhor qualidade de vida dos seus habitantes.
Da combinação rara de dons de D. Carlos, Cavaco Silva destacou a sua sensibilidade para representar a vida marítima e elogiou o seu empreendedorismo no estudo de espécies marítimas e recursos piscícolas, bem como na criação do primeiro laboratório português de biologia marinha.
D. Carlos faz parte da galeria dos ilustres portugueses que, independentemente do regime, serão sempre considerados como os melhores entre os melhores. Hoje, com toda a informação disponível, e ultrapassada que foi toda a intoxicação republicana, só por tacanhez de espírito se pode defender o contrário.
Mas se do ponto de vista político, científico, técnico e humano, começa a ser reconhecida a obra do monarca, já do ponto de vista desportivo, não vimos na comunicação social, escrita ou falada, bem como na generalidade das manifestações em sua memória, qualquer menção à obra de D. Carlos, nos domínios da educação física e do desporto. Contudo, também nestes domínios, D. Carlos foi uma pessoa singular.
Hoje, sabe-se que D. Carlos teve uma esmerada educação não só no campo das letras, como no das artes e das ciências. Teve ainda instrutores de várias actividades. Na ginástica, Luís Maria de Lima da Costa Monteiro fundador do real Ginásio Clube Português (1875). Na esgrima António Domingos Pinto Martins, fundador do Centro Nacional de Esgrima (1897). Luís Monteiro, enquanto professor de ginástica da Casa Real, deve ser considerado o primeiro professor de educação física português.
D. Carlos pelas actividades que praticava, bem como aquelas que promovia, era justamente considerado o primeiro “sportman” português. Dezasseis anos após a sua morte, em 1924, João Franco que foi o último Presidente do Conselho de Ministros de D. Carlos, numa edição da Bertrand, publicou o livro:
"Cartas D’El-Rei D. Carlos I a João Franco Castello-Branco seu Ultimo Presidente do Conselho”
Este livro foi um dos maiores êxitos de livraria em Portugal no século XX. Teve oito edições que se esgotaram rapidamente. Reunia e comentava um conjunto de catorze cartas escritas pelo rei D. Carlos ao seu chefe de governo, João Franco, entre Maio de 1906 e Dezembro de 1907. Segundo Rui Ramos, que prefacia uma nova edição (2006) da Bertrand, João Franco:
"Editou as cartas com muito escrúpulo. Incluiu até os fac-símiles, para que os leitores pudessem controlar a sua transcrição dos manuscritos de D. Carlos. O objectivo de Franco era acabar com as ‘falsidades, embustes e invencionices’ que haviam desvirtua¬do as intenções e acção de D. Carlos nos seus dois últimos anos de vida, entre 1906 e 1908. À maneira dos historiadores positi¬vistas do século XIX, João Franco quis restabelecer a verdade, não apenas através de argumentos, mas com ‘informações (…) cuja autenticidade não pode ser contestada.
Acerca do currículo desportivo de D. Carlos pode ler-se a páginas 48, escrito por João Franco:
"El-rei D. Carlos recebera uma educação primorosa. Com uma instrução geral que o não deixava encontrar hóspede em qual¬quer assunto de conversação; conhecedor e possuidor das línguas, especialmente do francês e do inglês, por forma que delas se servia como da sua própria (e já o imperador Carlos V dizia que um homem que fala três línguas vale por três homens); dado ao gosto e cultura das Belas-Artes, em uma das quais, a pintura, foi distintíssimo; habituado aos sports e, como atira¬dor, excepcionalmente forte reunia a tudo isso ser o homem mais bem criado do seu país, dotado de humor sempre igual, sem descair nunca na vulgaridade, nem deixar perceber de si, em qualquer circunstância, sinal de contrariedade, despeito ou irritação.
Mas mais, segundo a imprensa da época o currículo desportivo de D. Carlos ombreava com o de qualquer “sportmen” da época. Aliás, ele era justamente considerado o primeiro “sportman” português. A este respeito, escrevia o “Tiro e Sport” na sua edição de 15 de Fevereiro de 1905, por motivos da inauguração oficial do Centro Nacional de Esgrima a 6 de Fevereiro do mesmo ano:
“Varios tem sido os aspectos, sob os quaes tem sido biografado S. M. El-Rei, como soberano, homem de sciencia, artista, yacthman. Como esgrimista cabe-nos a subida honra de o fazer e, francamente confessamos, desejaríamos dispor de grandes recursos d’inteligência para que podessemos biographar, como merece, o supremo Chefe da Nação Portugueza. (…) Sua Magestade El-Rei cultiva desde os sete annos a esgrima, tendo sido seus professores, primeiro o celebre professor francez Henri Petit, seguindo-se-lhe Luiz Monteiro e António Martins. Tem sido com este último professor, com quem durante maior lapso de tempo tem trabalhado S. M, e o mestre não se cansa de tecer elogios ás excellentes qualidades que S. M. possue como esgrimista. (…) Anima com a sua presença todas as festas de esgrima, e com a sua palavra incita todos quanto procuram radicar no espírito do nosso povo a prática da esgrima. E, tem sido com o appoio sempre constante de sua Majestade El-Rei, que António Martins, nunca desfalleceu no caminho que encetou, procurando desenvolver o gosto pela esgrima em Portugal. O Centro Nacional de Esgrima, também encontrou sempre sua majestade prompto em auxiliá-lo, e muitíssimo lhe deve essa agremiação, não só pela subida honra da sua presença á festa d’inauguração, e de ser seu sócio protector, como pela rápida solução de varias difficuldades na sua instalação.”
Na realidade, D. Carlos foi um reconhecido praticante e dirigente desportivo, empenhado na causa do desporto, pelo que, bastas vezes, emprestou a sua figura de monarca a diversas organizações e eventos desportivos. Por exemplo, foi Presidente Honorário de várias agremiações entre as quais a União dos Atiradores Civis Portugueses fundada em 16 de Novembro de 1893 e a União Velocipédica Portuguesa, fundada a 14 de Dezembro de 1899.
Mas mais. A D.Carlos fica-se a dever a institucionalização do Olimpismo em Portugal, o que permitiu que, posteriormente, viesse a se fundado o Comité Olímpico Português. Foi D. Carlos que indicou a Pierre de Coubertin o primeiro representante em Portugal do Comité Olímpico Internacional. Na realidade foi o monarca português quem indicou a Coubertin o nome do Dr. António Lencastre para representar em Portugal os interesses do Comité Olímpico Internacional. Em conformidade, em 9 de Junho de 1906, António Lencastre que era médico da corte escreveu a Pierre de Coubertin, uma carta de aceitação do cargo. E escrevia:
“Le Comité Olympic International, dû à votre obligeance, tiendrait à m’elire représentant de mon pays ou sein de votre honorable compagnie. Touché de votre bienveillance je m’expresse de porter à votre connaissance que j’accèpte votre indication avec le plus grand plaisir, soucieux de’apporter mon concours à votre œuvre. … ”
O desporto em Portugal deve imenso não só a D. Carlos como ao seu filho D. Manuel II o último rei de Portugal. Por isso, lamentamos profundamente o completo esquecimento a que foram votados pelas entidades públicas e privadas portugueses, em especial o Comité Olímpico de Portugal que, em grande parte, a eles deve a sua existência e a Sociedade Portuguesa de Educação Física.
Ao tempo, D. Carlos pode ter sido incompreendido por uma casta de políticos corruptos e um povo que pela sua ignorância se deixava manipular. Tudo acabou num dos mais trágicos e vergonhosos acontecimentos da nossa história, o regicídio. Contudo, pelo que hoje nos é dado verificar através da imprensa desportiva da época, a Família Real era bem estimada entre os “sportmen” portugueses. Por isso, não podemos deixar de lamentar que as mais diversas instituições desportivas deste país tenham pura e simplesmente ignorado a efeméride.
Não há futuro que se possa construir na ignorância do passado.
Fonte : http://www.forumolimpico.org/?q=node/520
Publicado por Rui Paiva Monteiro em "Causa Monárquica"
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