sábado, 3 de dezembro de 2011

A RESTAURAÇÃO REVISITADA

por Mário Casa-Nova Martins

Conviria lembrar que os factos ocorridos em 1 de Dezembro de 1640 não aconteceram por acaso. Recorrendo a Vitorino Magalhães Godinho, em 1580 a coroa portuguesa foi usurpada à casa a que pertencia de juro e herdade, o ducado de Bragança, por Filipe II de Espanha. Os seus sucessores Filipe III e Filipe IV retiveram-na ilegalmente. Tal retenção não cria com o tempo, por prescrição, direito, e por isso não invalida, mero acto de força como é, a legitimidade dos duques a fundarem dinastia régia. Trata-se, portanto, fundamentalmente, de restituir o seu a seu dono, anulando a usurpação ocorrida sessenta anos antes, a fim de colocar no trono o único legítimo pretendente. A união dinástica fizera-se pela força, mas jurando os monarcas espanhóis respeitar as leis, foros e costumes do Reino de Portugal, cuja coroa ficaria unida na mesma cabeça às coroas castelhana e aragonesa, mas cujo senhorio permanecia independente. Porém, já o próprio Filipe II de Espanha começou a faltar aos compromissos jurados, o seu sucessor resvalou para a tirania, na qual caiu sem rebuços Filipe IV. Situa-se por alturas de 1620 a mudança radical que tende a apagar os privilégios do Reino de Portugal e a levá-lo, para além da unidade dinástica, à unificação institucional. Portanto, os Conjurados de 1640 visam o regresso à forma legítima de Estado e Governo anterior a 1580, ou pelo menos a 1620, pondo termo à tirania, em que tinham soçobrado os soberanos da dinastia espanhola.

A historiografia durante o período filipino desempenhou papel fundamental na preservação da Identidade Nacional. A importância dos Jesuítas, dos Crúzios e dos Cistercienses, através da palavra e da escrita, foi determinante para que as elites mantivessem bem viva a ideia independentista. De facto, seguindo Hernâni Cidade, o «sentimento autonomista» passou a iluminar o quadro histórico-cultural dos Filipes. O orgulho nacional exprimiu-se num labor «inconsciente» que, pelos anos de 1620-1630, se transformou em formas de «resistência» literária, na constante evocação dos heróis antigos e dos fastos seculares da Pátria. A «Monarchia Lusitana» é a obra mais notável desse tempo, fruto do labor dos Monges de Alcobaça, e é a primeira tentativa de uma história integral da Nacionalidade, buscando as raízes de Portugal e as linhas dessa continuidade histórica. Dividida em oito partes, começa por defender a identidade étnica e territorial de Portugal e da Lusitânia e descreve a corografia e a história desta desde a criação do mundo até à morte de Pedro I. Frei Bernardo de Brito, Frei António Brandão, Frei Francisco Brandão e Frei Manuel dos Santos foram os seus obreiros, e Alcobaça transformou-se no principal centro da autonomia cultural portuguesa. Como escreve Veríssimo Serrão, inspirada pela realeza filipina, a «Monarchia Lusitana» cumpriu o mesmo papel nas horas difíceis da Restauração, animando os espíritos na sobrevivência da Pátria.

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Nas vésperas do 5 de Outubro de 1910, as correntes contrárias à Monarquia desenvolveram inúmeras e contínuas campanhas culturais, fundamentalmente a partir do Ultimato, com o objectivo de divulgar a ideia republicana. António Ventura, na sua obra, «Anarquistas, Republicanos e Socialistas - As convergências possíveis», estuda a actuação destas correntes de pensamento entre 1892 e 1910 na luta contra o regime monárquico, e é permanente a tentativa de formarem elites culturais que venham a permitir conquistar o poder político, como, aliás, veio a acontecer. Enquanto os políticos do Rotativismo se entretinham em estéreis debates nas Cortes e a promoverem eleições caciqueiras, sucediam-se no campo adverso à Causa Monárquica a publicação de jornais, livros e panfletos, a tradução de obras doutrinárias em voga, conferências e a constituição de associações cívicas. A Monarquia foi perdendo o apoio das elites e, não seria despiciendo dizer-se que, por aquela época, Portugal era uma Monarquia sem monárquicos.

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Durante a Primeira República, foi importante, se não mesmo fundamental, o contributo doutrinário do Integralismo Lusitano para manter bem vivo o Ideal Monárquico. Ao falar das suas origens, escreve Jacinto Ferreira no livro «Integralismo Lusitano - Uma doutrina política de ideias novas»: _ Conta Hipólito Raposo que, logo a seguir ao aparecimento do primeiro número da «Nação Portuguesa», tendo encontrado no Chiado o seu amigo Dr. Coelho de Carvalho, que por sinal era republicano, este lhe disparou o seguinte discurso referido à revista que trazia na mão: _ “Com a minha autoridade de republicano, quero dizer-lhe, meu amigo, que nenhuma incursão ainda a República pôs em perigo, e todos os impulsos desse género só têm servido para afervorar e exaltar as várias espécies dos seus defensores. Mas o perigo verdadeiro aparece agora, aqui, nesta nova orientação de combate. Não se derrubam árvores atirando pedradas aos ramos; apenas cairão algumas folhas. O primeiro ataque sério à República, vejo-o eu nestas linhas. É o machado a dar golpes na própria raiz do sistema”.

O Integralismo Lusitano foi um movimento político, e é uma doutrina política e social. Surge numa época de aguda crise do Estado, fruto de outra mais profunda, a crise do Homem, e a sua primeira geração, a de 1914, exerceu um esforço no sentido de definir o poder político e a sua actividade própria. De raiz humanista, era contrário a um nacionalismo fechado e totalitário; oposto ao nominalismo, era tradicionalista, e tinha um limite e uma regra, a doutrina católica sobre o Homem, daí estar aparentado ao catolicismo social.

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O marxista António Gramsci defendia que para se alcançar o poder político, primeiro tinha que se conquistar o poder cultural. Por altura em que estas palavras foram proferidas, os Monárquicos Portugueses tinham no ano do Duplo Centenário a 1.ª Semana de Estudos Doutrinários, a que se seguiriam mais duas nos anos seguintes. A publicação dos documentos que as duas primeiras semanas produziram, foi importantíssima para a reformulação do pensamento monárquico. A doutrinação neles contida, teve farta aplicação no processo da sucessão de Óscar Fragoso Carmona, e durante o congresso da União Nacional nos finais de Novembro de 1951 em Coimbra, onde se colocou a questão do regime. Pena é, de acordo com o neo-integralista Henrique Barrilaro Ruas, que exista toda a documentação da terceira semana, e se aguarde há quase seis décadas a publicação.

Ainda durante a vigência da Segunda República, publicou-se durante os anos de 1949 e 1960 a revista «Cidade Nova», que exerceu uma influência profunda no pensamento português da época. Uma nova geração de pensadores monárquicos encetou um caminho, aberto pelas Semanas de Estudos Doutrinárias, que iria desembocar numa reestruturação político-ideológica das correntes do movimento monárquico.

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Por sua vez, já em plena Terceira República, as conferências no Grémio Literário, que decorreram entre 2 de Novembro e 14 de Dezembro de 1982 e de que resultou a edição do livro «Estudos sobre a Monarquia», contribuíram para que a ideia de Monarquia entrasse na modernidade. A longa introdução é como que o «ponto da situação» da praxis monárquica ao tempo das conferências. Os textos dos conferencistas e o debate subsequente, geraram a doutrina que tem acompanhado novas gerações monárquicas, porque lançaram sementes de forma que as elites actuais conheçam e aceitem o Ideal. Agora, falta definir a Monarquia dos próximos século e milénio.

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A par destas realizações de carácter cívico, a edição livresca tem sido uma actividade importante, se bem que irregular. As obras das Edições Gama, da Biblioteca do Pensamento Político, ou das Edições Cultura Monárquica, formaram as consciências de muitos monárquicos, para quem a cultura é uma arma de arremeço por excelência.

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Em Bergson, o homem completo é aquele que pensa como homem de acção e age como homem de pensamento. O futuro de Portugal dependerá, sempre, do que as suas gentes quiserem. Para que no tempo futuro o sistema monárquico regresse a Portugal, como todos nós desejamos, há que formar elites culturais. Depois de ganha a batalha da cultura, a Monarquia poderá voltar e florescer.

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Um Futuro promissor para Portugal, será um Portugal Monárquico que crie riqueza para o Povo, que fomente a justiça social, e que o novo Rei seja a esperança da Nação que neste século festejará o nono centenário de uma independência conquistada pelo Rei Fundador, e perpetuada pelos sucessores.

Portugal terá que ser uma Monarquia Constitucional, em que o primeiro Rei da Quinta Dinastia será escolhido pelo Povo.

Bibliografia
Dicionário de História de Portugal - Direcção de Joel Serrão
Estudos sobre a Monarquia - Conferências no Grémio Literário, Lisboa 1984
Ferreira, A. Jacinto - Integralismo Lusitano, uma doutrina política de ideias novas, Lisboa 1991
Monarchia Lusitana - Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1973-1989
I Semana de Estudos Doutrinários - Discursos, Teses e Intervenções, Coimbra MCLX
II Semana de Estudos Doutrinários - Discursos, Teses e Intervenções, Coimbra MCLXI
Ruas, Henrique Barrilaro - A Liberdade e o Rei, Lisboa, 1971
Serrão, Joaquim Veríssimo - História de Portugal, Verbo
Ventura, António - Anarquistas, Socialistas e Republicanos em Portugal, As convergências possíveis (1892-1910), Lisboa, Junho de 2000
 

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