(presos utilizados nas experiências antropométricas pelos republicanos)
Ética republicana. Como se a palavra ética não valesse por si. Como se o adjectivo a valorizasse ou a aumentasse. Como se o mesmo atributo lhe desse um estatuto de uma qualquer superioridade.
Agora que se comemoram os 100 anos da República a propalada ética republicana promete voltar em catadupa. Como já tivemos três Repúblicas, o que quer dizer essa adjectivação da ética? É que já houve de tudo no plano ético e político. Uma coisa e o seu contrário. De positivo e de negativo. De construtivo e de destrutivo. De seguidismo e de persecutório. De direitos e de míngua deles. De verdade e de mentira. De carácter e da sua falta. De serviço probo e de aproveitamento criminoso.
A verdadeira ética não é apropriável. Existe por si ou não existe. Bem sei que somos todos cidadãos e não súbditos. Logo, portadores de direitos e de obrigações. Mas antes e acima do cidadão há sempre a pessoa. Com inteligência, vontade, percepção e consciência. Pessoa e cidadão são indissociáveis na razão ontológica e teleológica da nossa individualidade. Quando se fragmentam, a ética dissolve-se.
Diz-se que a ética republicana consiste sobretudo em cumprir escrupulosamente a lei. Já o fariseu era um absoluto legalista. Acontece que o conjunto das normas jurídicas e o conjunto das normas éticas jamais coincide. Há matérias reguladas pela lei que não exprimem qualquer juízo ético, como há muitas regras de conduta ética que não estão juridicamente plasmadas. A ética não se estrutura na dicotomia legal / ilegal, mas radica na consciência. O conjunto do que é moralmente aceitável (o legítimo) é mais restrito do que é juridicamente aceitável (o legal). Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor, e há coisas que a lei não impõe mas que se nos podem e devem impor. A pessoa tem mais deveres éticos do que o cidadão. A consciência de uma pessoa honesta é mais exigente do que o produto de um legislador. A lei é o limite inferior da ética.
Nenhuma lei proíbe em absoluto a mentira, a desonestidade, a deslealdade, a malvadez, o ódio, o desprezo, a vilanagem… Como nenhuma lei só por si assegura a decência, a verdade, a amizade, a generosidade… Na ética pura não há lugar para a falaciosa “terceira categoria ética” dos actos indiferentes entre os bons e os maus.
Olhemos para a crise global que se instalou no mundo. Há muitas explicações técnicas mas, no fim, chegamos sempre à escassez ética onde a fronteira entre o bem e o mal se erodiu fortemente. Olhemos para o que se passa na governação do nosso país, onde a verdade definha, a autenticidade escasseia, o exemplo desaparece. Onde é conveniente separar a pessoa da função e a função da pessoa, como se o carácter fosse divisível. Onde há faces ocultas de quem nada deveria ter a ocultar. Onde assuntos públicos se disfarçam de privados e os juízos éticos não vão além de um qualquer sistema sancionatório ou penalista. Tristes faltas de ética. Chamem-lhe republicana ou não.
António Bagão Félix, Diário Económico, 15 de Fevereiro de 2010
(Fonte: Blogue Centenário da República)
(*) António José de Castro Bagão Félix (n. Ílhavo, 9 de Abril de 1948), economista e político português.
É licenciado em Finanças, pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (1970), e diplomado em Gestão pelo INSEAD], em Fontainebleau (1995). Foi director financeiro da Companhia de Seguros A Mundial (1973-1976), membro do Conselho de Gestão da Companhia de Seguros de Crédito (1976-1979), membro do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Seguros (1979-1980), administrador do Banco de Comércio e Indústria (1985-1987), administrador (1992-1993) e vice-governador (1993-1994) do Banco de Portugal, director-geral do Banco Comercial Português (1994-2002).
Além disso desempenhou funções em diversas instituições públicas, de cariz cívico e social, como presidente do Conselho Fiscal do Banco Alimentar Contra a Fome (1997-2002), consultor da Conferência Episcopal Portuguesa para os Assuntos Sociais e Éticos e membro da Direcção da SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social), desde 2001.
No ensino foi Assistente do ISCEF (1972-1973), do ISCTE (1975-1976) e Professor Auxiliar Convidado da Universidade Internacional (Lisboa) (1986-1994) e da Universidade Lusíada de Lisboa (desde 2006).
Na política militou no Partido Social Democrata e no Partido Popular, tendo sido, mais que uma vez, chamado a funções governativas. Foi Secretário de Estado da Segurança Social dos VI, VII e VIII Governos, Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional do XI Governo, Ministro da Segurança Social e do Trabalho no XV Governo e Ministro das Finanças e da Administração Pública no XVI Governo. Foi também, entre 1983 e 1985, deputado à Assembleia da República, eleito pelo Círculo de Aveiro, deputado à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e membro da sua Comissão de Assuntos Sociais e Saúde, nos mesmos anos.
É autor de diversos livros e integrou o Conselho Editorial das revistas Nova Cidadania, Trabalho e Sociedade, Hífen e Revista de Saúde Pública; foi colunista em vários periódicos, como o Expresso, o Diário Económico, o Público, o Semanário ou A Bola; participa no programa de rádio Conselho Superior, na Antena1.
(Fonte: Wikipedia)
(Fonte: Wikipedia)
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