Nas anuais celebrações da data nacional, os portugueses escutam sempre infindáveis listas de nomes galardoados com as mais diversas condecorações. Se alguns as devem aos serviços prestados a quem as outorga, outros, mais raros e relevantes, merecem-nas pelo mérito. Ao serviço do seu semelhante, porfiaram na labuta, encontrando soluções aparentemente impossíveis e resolvendo problemas, aos quais uma comunidade desinteressada jamais quis emprestar o mínimo esforço, fosse ele a mão amiga que ajuda a construir vidas, ou a voz que admoesta e abala as consciências.
Dª Maria Adelaide de Bragança, a Infanta Dª Adelaide, é uma figura notável do século XX português. Nascida no exílio e nele tendo vivido três décadas, consiste num daqueles típicos casos de incúria a que as instituições nacionais votam os nossos maiores. Fosse ela inglesa, americana ou alemã, seria um símbolo vivo e orgulho da sua nação.
Durante a II Guerra Mundial, quando ardiam cidades inteiras sob tapetes de bombas de fósforo, a enfermeira e assistente social Dª Adelaide de Bragança, acorria em auxílio dos feridos e moribundos. Não temendo os grandes perigos, abnegadamente salvou vidas, tratou os atingidos e consolou as mágoas de tantos outros que num ápice viram volatilizar-se as vidas de entes queridos. Como era tão frequente entre a aristocracia residente no Reich alemão, envolveu-se nos grupos de oposição interna e por isso foi condenada à morte, acusada pela Gestapo de conspiração. Salva in extremis por intervenção do governo português, foi rapidamente deportada, iniciando um novo capítulo da sua vida e estabelecendo-se em Portugal, a pátria que até então lhe fora interditada.
Em Portugal, país solidamente agarrado a preconceitos vários e a um imobilismo social que faz invejar civilizações antigas, interessou-se pela protecção à infância, no momento em que nos países mais desenvolvidos, há muito tinham desaparecido os velhos conceitos que a consideravam como coisa de escasso interesse ou estado meramente evolutivo dos homens e mulheres do porvir. Mães desvalidas, crianças abandonadas ou sem recursos, foram recolhidas, vestidas, alimentadas e educadas, num espantoso exercício de cidadania que envergonharia os mais histriónicos oradores de uma república que nunca o foi. Jamais pediu para si qualquer benesse ou reconhecimento oficial e entre os mais simples, sempre encontrou os mais fortes esteios da sua obra. Dª Adelaide não é uma mulher de chás, tômbolas, espectáculos ou rifas de sorteios que contentam as consciências de muitos alegados beneméritos. Pegou na massa suja, esfarrapada e incómoda, dando-lhe aquela dignidade que é atributo inseparável da condição humana.
Não duvidamos do distanciamento que o actual Presidente da República decerto sentirá perante muitos dos aspectos comemorativos oficialistas do Centenário da República. Quando do 1º de Fevereiro de 2008, a atitude do prof. Cavaco Silva resgatou, embora parcialmente, a honra de um Estado aviltado por uma decisão tomada por uma Assembleia da República cega e surda, mas como sempre prolixa em considerações anacrónicas acerca de um acto que antes de tudo, seria de reparação e reconciliação entre os portugueses.
Cavaco Silva está bem a tempo de uma vez mais, manifestar uma atitude que enobreça o seu mandato, enfrentando as pequenas misérias de certas vaidades pessoais de muitos e a defesa de interesses particulares de outros tantos.
Grande precursora da Assistência Social no nosso país, a rainha Dª Amélia foi a impulsionadora de valiosas instituições que hoje abnegadamente trabalham na protecção da sociedade. A Infanta Dª Adelaide seguiu sempre o exemplo da sua madrinha de baptismo, a rainha que de França chegou a Portugal, desejosa de entre nós estabelecer aquelas novidades próprias de uma modernidade que tardava. Insurgiu-se contra a inaceitável inevitabilidade da pobreza num pais que apenas dela toma conhecimento e se interessa em momentos de sobressalto.
Dª Adelaide de Bragança é afinal a história de um século, onde também as mulheres portuguesas tiveram de se impor pelo valor, coragem e dedicação a uma outra república que afinal sempre fomos.
Em qualquer país da Europa, a Infanta Dª Adelaide seria uma heroína nacional, capaz de ombrear com a velha rainha-mãe que na varanda de Buckingham abria os braços a um povo reconhecido.
Chegou o tempo da reparação. Reparação aos vilipendiados por décadas de calúnias que conduziram ao Crime de 1908. Reparação a quem chegou a Portugal para servir um povo que adoptou como seu e de quem foi estrénua defensora durante toda a vida, esquecendo ofensas e perdoando os verdugos dos seus entes queridos. Reparação aos proscritos de 1910 e aos milhares que nas prisões sofreram sevícias às mãos da brutalidade prepotente dos transitórios senhores de um momento funesto. Reparação a tantos homens e mulheres que viveram fazendo o bem aos seus semelhantes e que desceram ao túmulo sem que deles se conheça o nome.
A Infanta Dª Adelaide tem hoje 98 anos e é uma Grande de Portugal. Pouco lhe importam as grandezas dos luxos que deleitam os simples de espírito ou aquelas outras que provêem de uma história familiar milenar. Pouco lhe importaram os vestidos, as festas ou os diamantes. A Infanta está imbuída daquela grandeza que só o materialmente desinteressado sentido do servir pode atribuir.
Os monárquicos de Portugal - sem qualquer dúvida os derradeiros patriotas -, receberiam como um sinal de reconciliação, o reconhecimento oficial desta senhora que foi - ela sim -, uma verdadeira Princesa do Povo. Neste país, não existe republicana que se compare a Dª Adelaide.
Têm ultimamente surgido artigos e reportagens que procuram dar a conhecer a Portugal, uma vida plena de trabalho e dedicação á coisa pública. Mas agora, as palavras devem ser seguidas por actos que só podem enobrecer quem os praticar.
No próximo 10 de Junho contamos ver a Senhora Infanta receber em nome do povo português, uma manifestação inequívoca de reconhecimento. O tempo urge.
Nuno Castelo-Branco
(Fonte: Blogue Estado Sentido)
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