sábado, 10 de setembro de 2011

O SIGNIFICADO DO SETE DE SETEMBRO, POR CARLOS VELASCO

José Bonifácio de Andrada e Silva


Hoje (sete de Setembro) o Brasil comemora o Dia da Independência, entretanto, penso que esta é uma data que deveria suscitar discussões acerca do que se passou nos últimos duzentos anos, ao invés de ser apenas uma festa.

Para compreender o porquê desta observação, penso ser fundamental partilhar convosco um bocado do que conheço graças a estudos ainda por completar, tarefa na qual me empenharei por muitos anos.

O Brasil era já um reino independente, mas ligado a Portugal através de uma fórmula de Reino Unido, desde 16/12/1815. A revolução do Porto, justificada pela situação económica e política do Portugal europeu, arrasado pela guerra e carente de uma alternativa que o permitisse a velha prosperidade dos dias de monopólio do comércio do Brasil, poderia ter sido uma oportunidade para corrigir o rumo, mas não foi.

A estupidez doutrinária de alguns, aliada à cupidez de muitos e à perfídia de uns poucos, deitou por terra o projecto de um arranjo constitucional que garantisse a unidade e o estado de direito ao invés de justificar a secessão e abrir as portas para as futuras guerras civis.

É sabido e está muito bem documentado o quanto a maçonaria esteve envolvida em todos os acontecimentos, e também é um facto a influência inglesa sobre a mesma. Ainda que tivesse ela alguma autonomia, e a maior parte dos seus integrantes fossem verdadeiramente patriotas, as influências inglesas existiam e todos podem imaginar o poder de um aliado destes.

É difícil avaliar o quanto esta influência foi fundamental, mas o estudo nos permite ter algumas certezas, entre elas, a de que a Inglaterra foi a grande beneficiária da secessão e agiu sempre motivada pelo propósito de dividir para reinar, e de que o núcleo duro dos que agiram agravando as diferenças entre a parte americana e europeia do reino era formado por iberistas com visões políticas radicais.

Um reino frágil no Brasil e um Portugal fraco integrado numa Espanha unida e revolucionária, que serviria à estratégia de certos sectores da sociedade inglesa de dividir o continente europeu e fomentar a discórdia, daria à Inglaterra imensas vantagens.

O Brasil se tornaria uma presa fácil após uma independência dolorosa, como de facto foi, e Portugal teria suas energias canalizadas para as guerras que uma Espanha unida e revolucionária seria obrigada a fazer numa Europa dominada pela Santa Aliança. Os bancos ingleses, Barclays e a casa Rothschild em especial, garantiriam uma guerra bem longa e lucrativa, financiando todos os lados, como fizeram durante as guerras napoleónicas.

O melhor de tudo isso é que Portugal acabaria por ser obrigado a vender, ou ceder à força, as suas colónias para a Inglaterra, que nesta altura ainda não possuía Hong Kong, estava longe de controlar toda a Índia e as vastas possessões que acabaram por deter em África. Macau, as possessões africanas e as cidades indo-portuguesas não eram possessões de se desprezar. Daí também a insistência inglesa em que todos os domínios portugueses ficassem com a parte europeia, mesmo que em partes como Angola o desejo fosse o de ficar com o Brasil. Um Brasil demasiado forte, se sobrevivesse, poderia voltar a atrair Portugal para a sua esfera.

Foi o que quase se passou, mas a verdade é que se os interesses ingleses não foram completamente vitoriosos na altura, hoje estão quase a obter sucesso. Os actores históricos da altura continuam a ser os protagonistas da política de hoje; os bancos, a casa de Saxe-Coburgo-Gotha, a maçonaria, ... Só a casa de Bragança, que lutava ao nosso lado, é que já não está no jogo. Sorte não ter acabado como a casa Romanov. Mas voltemos à história original.

Tudo nas infames cortes de 1821 foi feito de maneira a indispor o Brasil. Em primeiro lugar, obrigaram ao retorno de D. João VI, não aceitando que fosse enviado o príncipe D. Pedro, demonstrando o completo desprezo que pelo Brasil possuía a maioria dos deputados. Mesmo após a adesão de todas as províncias brasileiras às cortes, estas não tiveram a consideração de esperar pela chegada de todos os deputados brasileiros para decidir assuntos de importância para a parte americana da nação, passando a exigir o retorno de toda a família real e o desmantelamento de todo o aparato de estado montado por D. João VI. O apoio dos deputados ligados aos interesses comerciais nessa loucura foi conseguido com a promessa de voltar o Brasil a ser um monopólio deles, o que era um engodo, já que isso não seria possível à luz dos tratados comerciais assumidos por Portugal a partir de 1808, mas a cupidez estúpida destes interesses foi fundamental, já que não se faz revoluções sem idiotas úteis.

A idiotice de muitos e a perfídia de poucos pode ser avaliada quando se pensa que a Inglaterra, muito mais poderosa que Portugal, não conseguiu manter as 13 colónias, muito mais fracas que o Brasil, ou na comparação com a Espanha, que então lutava uma guerra quimérica no continente americano contra um inimigo dividido e não um já então reino constituído como o Brasil.

Apesar de muitos deputados da parte europeia terem consciência da injustiça, o seu número, assim como o dos brasileiros presentes, não era suficiente para combater a estupidez predominante, agravada pela presença de uma populaça desocupada e rancorosa susceptível ao discurso populista, faccioso e pseudo-nacionalista.

No Brasil, a maioria da elite era desfavorável a uma secessão. A ideia predominante era a de se manter a unidade do Reino Unido e adoptar um sistema que garantisse uma monarquia constitucional em federação, mas, diante da irredutibilidade das cortes em aceitar respeitar a vontade dos portugueses americanos, foi obrigada a aceitar que a separação era necessária. O passo não foi fácil, pois num país como o Brasil, o início de uma guerra de independência poderia desencadear um processo incontrolável que terminaria com uma haitização do Brasil. Se houvesse de facto má vontade contra uma união em igualdade com Portugal, não teria D. Pedro, príncipe português, sido escolhido para liderar o movimento e não teriam vários portugueses europeus sido generais, almirantes e ministros do novo país.

Entretanto, ainda que as cortes tenham tardiamente tentado uma conciliação, os dados já haviam sido lançados e a independência foi declarada. Mas o novo imperador do Brasil continuava a ser o herdeiro da coroa portuguesa e muitos aspiravam a um novo reino unido. Contudo, o fortalecimento das franjas anti-portuguesas de tendência jacobina da população urbana, especialmente entre os mais pobres, com a guerra de independência, e do poder dos latifundiários brasileiros, base de sustentação do novo império, obrigaram a D. Pedro abdicar da coroa portuguesa em 1826, e mais tarde da brasileira, em 1831. Não se pode esquecer que no acordo entre Portugal e Brasil, já em 1825, o Brasil ainda aceitou que D. João VI fosse considerado Imperador Titular do Brasil.

Aos latifundiários interessava um imperador enfraquecido, e as tropas portuguesas europeias veteranas das guerras napoleónicas eram um factor de grande dissuasão. Um imperador demasiado forte teria condições de fazer uma política para o Brasil que poderia desagradar os latifundiários em vários pontos, como a escravatura e o comércio internacional, sacrificando mercados de exportação agrícola e o tráfico de escravos em troca de um projecto de industrialização e colonização do território com europeus, como já se vinha tentando desde a vinda de D. João VI.

Por último, lembro que à fragmentação do Reino Unido se seguiu um período de 30 anos de guerras civis tanto em Portugal como no Brasil. Portugal se transformou num país desgastado e sem condições de manter os seus territórios extra-europeus e defender futuramente os seus direitos históricos em África, quando da conferência de Berlim. O Brasil quase deixou de existir e perdeu a sua saída para o Prata, e possivelmente para o Pacífico (Pesquisem pela questão de Chiquitos e não esqueçam que tínhamos como facto legitimador o casamento de D. João VI com Carlota Joaquina, princesa Bourbon espanhola. As elites do alto e do baixo Peru estavam inclinadas para uma solução monárquica e não nutriam simpatia por Bolívar ou San Martin, vistos mais como invasores da Venezuela e da Argentina do que como libertadores).

Assim, o Sete de Setembro foi um mal necessário, e deve ser lembrado como o dia em que o Brasil disse basta a um punhado de radicais doutrinários metidos a estadistas que conseguiram destruir a sua nação e o que era visto como um império multi-continental que poderia desafiar o poderio britânico. Graças à habilidade de D. Pedro e José Bonifácio em manter o que D.João VI construiu o Brasil não se fragmentou em inúmeras repúblicas rivais e anárquicas, mas estivemos muito perto disso.

Sete de Setembro: uma data para reflectir.

Expliquei no ano passado os meus sentimentos acerca do Sete de Setembro, uma data que poderia definir como comemorativa de um facto que acabou por ser o menor dos males diante das alternativas que as malditas Cortes de Lisboa puseram diante do Brasil.

Espero um dia ter possibilidades de me dedicar ao estudo do processo que levou à "independência" do Brasil, que havia começado e deixei de lado por contingências extra-académicas, e também, em parte, por sentir que o meu orientador não era a pessoa ideal para me ajudar nesse trabalho.

Quanto mais estudo a questão, mais se torna claro que as elites brasileiras que tiveram um papel fulcral no declaração de independência não queriam a mesma, mas foram obrigadas a optar por isso.

De um lado, a elite intelectual, representada por José Bonifácio de Andrada e Silva, desejava a continuação do Reino Unido em moldes constitucionais. De outro, a elite terra-tenente não queria embarcar em nenhuma aventura por saber que o início de uma guerra com Portugal, o que era certo, poderia despoletar uma escalada que conduziria à anarquia, como já se observava nos territórios castelhanos ao redor, e que poderia culminar na criação de um, ou múltiplos, Haitis lusófonos. Mas a maioria dos deputados europeus das cortes não quis compromisso, se agarrando a doutrinas estúpidas de soberania, a interesses mesquinhos monopolistas ou até agindo no sentido de separar o Brasil e Portugal, preparando assim o terreno para a queda da monarquia, que arcaria com a culpa, e para uma união republicana ibérica.

Foi graças ao preparo dos homens de estado que aconselharam D. Pedro, que por graça de D. João VI, o criador do Brasil como estado e nação, ficou no reino americano, que o pior cenário para o Brasil não se verificou. A vitória contra a perfídia das cortes é um facto a comemorar, mas os custos disso foram altíssimos.

A instabilidade gerada levaria o Brasil a um período de quase três décadas de guerras civis brutais, que em muito contribuíram para o atraso do país, para o reforço da classe terra-tenente ligada às exportações, que então não contava mais com a oposição de um poder real forte como na época da união à Portugal, e adiou o fim da escravatura, verdadeiro cancro instalado na sociedade brasileira, além de impedir a formação de uma sociedade onde o acesso à terra conduzisse à criação de uma classe numerosa de pequenos proprietários, base de qualquer sociedade de direito e de uma economia saudável.

Também há aspectos militares a ter em conta. A ruptura com Portugal levou à perda da margem esquerda do Prata, da oportunidade de se alcançar o Pacífico (vide a Questão de Chiquitos) e da ligação do Amazonas com o Mar do Caribe, facto que poderia ter criado as condições para uma futura incorporação daquela excrescência que são as Guianas (vide a Questão do Pirara). Digo isso pois não somente o Brasil sofreu convulsões violentas a nível interno, impossibilitando a ajuda às elites hispano-americanas que não desejavam a república dos San Martins e dos Bolívares (o que veio depois era ainda pior), como também ressentiu da retirada das tropas de linha portuguesas, veteranas das Guerras Napoleónicas e sem equivalente nas Américas.

Tudo isso pode parecer exagerado, mas bastará analisar a política joanina, que tinha como objectivo a formação de um reino americano poderoso, para saber que os homens de estado da época consideravam isso possível. Essa era até a única política que garantiria a independência do Portugal europeu, e a história contemporânea o prova. Hoje, reduzido ao território original, Portugal está a ser engolido pela União Europeia.

Muito mais poderia ser dito, inclusive acerca do que perdeu o reduzido Portugal europeu com uns poucos territórios ultramarinos restantes, que até preferiam se unir ao Reino do Brasil (Angola é um exemplo). É bom lembrar qual era a posição do Reino Unido em 1820 e que as dificuldades económicas, que hoje muitos alegam como justificação para a Revolução do Porto, eram elementos passageiros, como toda a conjuntura económica, e somente foram piorados e até tornado permanentes com o resultado da mesma.

O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves possuía o único porto aberto da China, uma posição única em toda a costa africana (e até em partes do interior), continente que só a partir da acção do nazi avant la lettre Leopoldo II foi repartido pelas então potencias europeias, territórios prósperos na Índia (Goa, por exemplo possui as maiores reversas de ferro do subcontinente), que ainda estava longe de ser completamente controlada pelo Reino Unido, e um território fundamental para a defesa das ligações entre o Índico e o Pacífico (Timor).

Pensem na História da Alemanha, território menos desenvolvido que Portugal em 1822, depois da Zollverein, e imaginem o nosso potencial então; dá vontade de chorar.

O Reino Unido também possuía um exército notável e uma marinha que, apesar de ter sido desleixada, tinha o material humano necessário para ser a segunda do mundo a médio prazo. Os estadistas norte-americanos que apregoavam a republicanização das Américas, por exemplo, temiam essa possibilidade, que poderia ameaçar a sua influência revolucionária no Hemisfério Ocidental.

Também lembro que a industrialização parou devido às contingências resultantes dessa separação. Os esforços de D. João VI na fundação de uma indústria siderúrgica no Brasil estavam a dar bons resultados e a indústria têxtil prosperava de forma incontestável. A confusão que veio depois abortou tudo isso. Quanto à Portugal, nem vale a pena falar. As guerras civis e a invasão pelas doutrinas liberais, ao menos no que toca ao comércio exterior, completaram o trabalho começado com a primeira invasão napoleónica.

Enfim, muito há para se estudar. Mas não é com os actuais professores que dominam as cátedras que ensinam este período, quase todos ligados aos agentes históricos que estiveram por detrás deste desastre para o mundo lusófono, que vamos acabar com a visão distorcida que hoje impera.

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