Combater apenas o analfabetismo do povo por meio de escolasprimárias e de escolas infantis sem religião e sem Deus, não é salvar umacivilização, é derruí-la pela base por meio do pedantismo da incompetência, damaterialização dos sentimentos e do envenenamento das ideias. Quem ignora hojeque foi a perseguição religiosa e o domínio mental da escola laica o queretalhou e fraccionou em França a alma da nação? Quem é que nesse tão amado,tão generoso e tão atribulado país não está vendo hoje objectivar-sepraticamente o profético aforismo de Le Bon: «É sobretudo depois de destruídosos deuses que se reconhece a utilidade deles!»
[...]
Em Portugal somos hoje um povo medonhamente deseducado pelainepta pedagogia que nos intoxica desde o princípio do século XIX até os nossosdias.
O Marquês de Pombal teve a previsão desta crise quando por ocasião da expulsãodos jesuítas ele procurou explicar que o aniquilamento da Companhia de Jesusnão decapitaria a educação nacional porque os eruditos padres da Congregação doOratório vantajosamente substituiriam como educadores os jesuítas expulsos.
Com a influência intelectual dos oratorianos, introdutores do espíritocriticante de Port Royal na renovação da mentalidade portuguesa, condisserealmente o advento de um dos mais brilhantes períodos da nossa erudição.
Vieram, porém, mais tarde os revolucionários liberais de 34, os quaiscondenaram, espoliaram e baniram os padres da Congregação do Oratório comoPombal espoliara e banira os padres da Companhia de Jesus.
A obra liberal de 1834 – convém nunca o perder de vista – foi inteiramentesemelhante à obra republicana de 1910. Nos homens dessas duas invasões éidêntico o espírito de violência, de anarquismo e de extorsão. Dá-se todaviaentre uns e outros uma considerável diferença de capacidade.
Os de 34, de que faziam parte Herculano, Garrett e Castilho, eram espíritosoriundos da Academia da História, da livraria das Necessidades e do colégio deS. Roque.
Tinham tido por mestres ou por companheiros de estudo homens tais como AntónioCaetano de Sousa, o autor da História Genealógica; Barbosa Machado, oautor da Biblioteca Lusitana; Bluteau e os colaboradores do seu Vocabulário;Santa Rosa de Viterbo, o autor do Elucidário; João Pedro Ribeiro, oadmirável erudito iniciador dos altos estudos da nossa história e precursor deHerculano; António Caetano do Amaral, o infatigável investigador da Históriada Lusitânia; D. Frei Caetano Brandão, seguramente o mais elevado espíritoe a mais formosa alma que deitou o século XVIII em Portugal; o padre Cenáculo,o mais prodigioso semeador de bibliotecas; o padre António Pereira deFigueiredo, o autor do famoso Método de estudar; Félix de AvelarBrotero, o insigne naturalista; o polígrafo abade Correia da Serra, e outrosque não menciono porque teria de reproduzir um copioso catálogo se quisesse darmais completa ideia do que foi a cultura portuguesa nessa fase da nossaevolução literária.
Os novos revolucionários de 1910, com excepção honrosa dos que não sabem ler,não tiveram por decuriões senão os seus predecessores revolucionários liberaisde 34. E daí para trás - o que quer dizer daí para cima - nunca abriram umlivro com medo da infecção clerical, porque todos eles acreditam com fetichisticoardor que o clericalismo é o inimigo, segundo a fórmula célebre com queo príncipe de Bismarck conseguiu sugestionar Gambetta para o irremediáveldesmembramento moral da França.
O Marquês de Pombal teve a previsão desta crise quando por ocasião da expulsãodos jesuítas ele procurou explicar que o aniquilamento da Companhia de Jesusnão decapitaria a educação nacional porque os eruditos padres da Congregação doOratório vantajosamente substituiriam como educadores os jesuítas expulsos.
Com a influência intelectual dos oratorianos, introdutores do espíritocriticante de Port Royal na renovação da mentalidade portuguesa, condisserealmente o advento de um dos mais brilhantes períodos da nossa erudição.
Vieram, porém, mais tarde os revolucionários liberais de 34, os quaiscondenaram, espoliaram e baniram os padres da Congregação do Oratório comoPombal espoliara e banira os padres da Companhia de Jesus.
A obra liberal de 1834 – convém nunca o perder de vista – foi inteiramentesemelhante à obra republicana de 1910. Nos homens dessas duas invasões éidêntico o espírito de violência, de anarquismo e de extorsão. Dá-se todaviaentre uns e outros uma considerável diferença de capacidade.
Os de 34, de que faziam parte Herculano, Garrett e Castilho, eram espíritosoriundos da Academia da História, da livraria das Necessidades e do colégio deS. Roque.
Tinham tido por mestres ou por companheiros de estudo homens tais como AntónioCaetano de Sousa, o autor da História Genealógica; Barbosa Machado, oautor da Biblioteca Lusitana; Bluteau e os colaboradores do seu Vocabulário;Santa Rosa de Viterbo, o autor do Elucidário; João Pedro Ribeiro, oadmirável erudito iniciador dos altos estudos da nossa história e precursor deHerculano; António Caetano do Amaral, o infatigável investigador da Históriada Lusitânia; D. Frei Caetano Brandão, seguramente o mais elevado espíritoe a mais formosa alma que deitou o século XVIII em Portugal; o padre Cenáculo,o mais prodigioso semeador de bibliotecas; o padre António Pereira deFigueiredo, o autor do famoso Método de estudar; Félix de AvelarBrotero, o insigne naturalista; o polígrafo abade Correia da Serra, e outrosque não menciono porque teria de reproduzir um copioso catálogo se quisesse darmais completa ideia do que foi a cultura portuguesa nessa fase da nossaevolução literária.
Os novos revolucionários de 1910, com excepção honrosa dos que não sabem ler,não tiveram por decuriões senão os seus predecessores revolucionários liberaisde 34. E daí para trás - o que quer dizer daí para cima - nunca abriram umlivro com medo da infecção clerical, porque todos eles acreditam com fetichisticoardor que o clericalismo é o inimigo, segundo a fórmula célebre com queo príncipe de Bismarck conseguiu sugestionar Gambetta para o irremediáveldesmembramento moral da França.
Ramalho Ortigão, em carta dirigida a João do Amaral em 1914.
(In Ramalho Ortigão, Últimas Farpas, 1911-1914,Lisboa, Clássica Editora, 1993, pp. 159sqq)
Publicado neste blogue pela Real Associação de Coimbra
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