segunda-feira, 4 de julho de 2011

ASSINALA-SE HOJE O CENTENÁRIO DA MORTE DA RAINHA DONA MARIA PIA

Iniciativas incluem ainda uma exposição, um concerto e a edição de um álbum de fotografias inéditas.
O Palácio Nacional da Ajuda (PNA), em Lisboa, inicia no dia 05 de Julho, quando se completa um século sobre a morte da Rainha Dona Maria Pia, um programa de iniciativas que começa com a celebração de uma missa "In Memoriam".

A missa será celebrada nessa terça-feira às 19:00 na Igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, pelo bispo titular de Belali e auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo, com a participação dos coros D. Luís, criado há 22 anos pelo palácio, Corelis (da Relação de Lisboa), Coral Stella Vitae, Cantus Certus (do Tribunal de Contas) e do organista João Vaz. Entre outras personalidades, assiste à missa Dom Duarte de Bragança, Chefe da Casa Real Portuguesa.

Em declarações à Lusa, a directora do PNA, Isabel Silveira Godinho, lamentou "não ser possível fazer uma grande exposição como foi feita sobre Dom Luís [Marido da Rainha], em 1989". "Se os tempos não fossem tão difíceis, faríamos uma grande exposição como a 'Dom Luís em 1989/1991'", disse a responsável, acrescentando que os Monarcas eram, até então, "um casal praticamente desconhecido, estavam no limbo, e hoje fala-se da Dona Maria Pia como se fosse prima, com um à vontade extraordinário".

O programa de iniciativas inclui um concerto, uma exposição e a edição de um álbum de fotografias inéditas. Referindo-se ao álbum, a responsável adiantou que "será a história de Dona Maria Pia desde pequenina até adulta, e o curioso é que todas estas fotografia, ou a grande maioria, foram tiradas por membros da família, e há cenas absolutamente familiares".

A coordenação é de Carmo Rebelo de Andrade com a colaboração de toda a equipa do PNA, referiu.



Existe na generalidade dos povos, um recôndito desejo reverencial pela espectacularidade do poder e em Portugal, a rainha D. Maria Pia foi quem talvez melhor compreendeu a essência das funções que lhe estavam destinadas como consorte do soberano.

Sendo Portugal um país de escassos recursos materiais que proporcionassem a existência de um meio cortesão que pudesse equiparar-se ao das dinastias reinantes nos grandes países europeus, beneficiava contudo de um estatuto garantido pela íntima relação familiar que colocava os Bragança no restrito grupo formado pelos Bourbons, Habsburgo e Sabóia. Profundamente interligadas por séculos de alianças matrimoniais, as casas reinantes da Europa podiam mesmo ser consideradas como entidades onde o nome de cada uma as identificava num contexto geográfico e político, embora os laços de parentesco fossem iinvariavelmente de uma proximidade tal, que as tornavam numa única e grande família supranacional.

O estatuto da dinastia portuguesa não advinha apenas da antiguidade da Casa de Bragança, mas também do próprio percurso histórico trilhado por um país já antigo, detentor de um desconcertante passado de glórias ainda ao tempo testemunhadas pela posse – mesmo que teórica – de um importante património imperial no além-mar.

Se as atitudes ou a forma de reagir a contingências derivadas da sempre imprevisível situação política em galopante evolução no mundo de oitocentos, podia ser ditada pelo chamado “espírito do século”, era contudo impossível impedir a manifestação do carácter das principais personalidades que eram o símbolo visível de um poder também ele em mutação.

A rainha Maria Pia gostava daquela especial forma de exercício do poder que sempre foi, ainda é e para sempre será reconhecido, através de uma convenção tacitamente por todos aceite e que impõe a cerimónia da distância inatingível, mas que simultaneamente se aproxima das massas curiosas e sensíveis à identificação com símbolos que a todos irmana nessa cumplicidade que identifica as nações.

Esta rainha foi como uma bandeira, um hino ou uma prolixa declaração de grandes princípios e durante décadas, confundiu-se com o próprio Estado interiorizado então de uma forma por nós hoje dificilmente compreensível: era a Coroa, algo que nos nossos dias apenas poderá ser identificável numa muito legalista e cerimoniosa Inglaterra.

Era teatral, gostava do fausto pelo que este significava de prestígio oferecido a alguém que encarnava a grandeza de uma nação. A rainha compreendeu que as massas não se impressionavam com a banalidade dos homens públicos que por entre os negócios do Estado cerziam as suspeitas cumplicidades propiciadoras de súbitos enriquecimentos que faziam erguer palacetes, angariavam numerosa criadagem e ofereciam uma bastante discutível imagem daquilo que era o gosto da época. Maria Pia de Sabóia encarava a realeza como um palco onde os actos se sucediam ininterruptamente, sendo todos eles merecedores de uma particular relevância imposta por um público atento e implacável crítico.

Gastava e podia ser generosa à medida do orçamento imposto pela escassez da dotação real que não era actualizada há quase meio século, recorrendo-se quando possível, aos rendimentos particulares da Casa de Bragança. Foi assim que os portugueses conheceram Maria Pia, ombreando com orgulhosas beldades coroadas do seu tempo e muitas vezes ofuscando-as com o seu porte soberano e o bom gosto que todos lhe reconheciam. Estivesse nas Tulherias ao lado de uma Eugénia de Montijo, ou na Hofburg com a prima Isabel, imperatriz da Áustria, a rainha portuguesa sabia sobressair num meio infinitamente mais opulento àquele que Lisboa conhecia. Mesmo nos actos reservados às senhoras que num certo meio social eram obrigações naturais, a rainha fazia-se notar, estudando os locais onde se realizariam as cerimónias das quais seria o alvo de todos os olhares. Um ponto de luz, a cor ideal para o vestido com que se apresentaria, o séquito, tudo era meticulosamente preparado com a única finalidade do pleno cumprimento da obrigação imposta pelas suas funções. Filha de um agnóstico e suspeita de anticlericalismo, Maria Pia alardeava uma devoção que provavelmente se limitava aos aspectos exteriores do culto, à cerimónia imposta por mais um serviço protocolar, este sagrado e numa época em que a própria família italiana se encontrava em aberto conflito com um Vaticano que perdera o poder temporal. Ao contrário da sua nora – a futura rainha D. Amélia -, não se prendia a pensamentos profundos e a aspectos literários ou filosóficos que justificavam uma Fé em pleno século de todas as contestações e dúvidas. Se Amélia de Orleães era de uma religiosidade que hoje poderemos considerar eivada de um certo regalismo que advinha do percurso atravessado pela França natal ao longo de dois séculos, Maria Pia interessava-se pela posição que lhe competia impor no seu papel soberano, como a primeira entre as devotas e sem mais intermediários entre um distante deus e ela própria. Era a rainha e fazendo com que todos o notassem, isso bastava-lhe.

Numa Europa que iniciava o caminho da assistência social propiciada por um Estado até então afastado de preocupações tradicionalmente atribuídas à Igreja e concomitantes obras beneméritas, a função da caridade – assim se chamava a solidariedade no tempo dos nossos bisavós – era o suprir ou aliviar das grandes desigualdades presentes numa sociedade geralmente indiferente à sorte do outro. O crescimento das cidades e o enorme afluxo de populações que abandonavam os campos, criou uma nova realidade que impôs a evolução desta caridade para algo mais permanente e que implicava a organização de estruturas e um programa de acção. Maria Pia pode ser situada num período de transição na época liberal e que entre nós conheceria na sua nora, a primeira grande impulsionadora daquilo que seria a assistência social no século XX.
A rainha evitou a política e quando interveio, foi no estrito limite ditado pelas suas obrigações constantes no articulado constitucional – a regência -, ou, na sua conhecida reacção ao golpe de Saldanha que antes de tudo, significava aquilo que a soberana considerava ser o enxovalho da dignidade real, logo da Carta e do próprio Estado. O rebaixamento da dignidade da sua condição de rainha – e em tudo o que o conceito significa -, isso jamais admitiu.

Foi sem qualquer tipo de contestação, o elemento mais popular da família real portuguesa nas últimas décadas de vigência do sistema monárquico-constitucional. Era uma imagem perante a qual todos reverenciavam uma certa ideia feita acerca de um esplendor que há muito se perdera, mas que nela era natural e perene.

Morreu longe de Portugal e ainda hoje se encontra injustamente exilada de uma terra, onde nem a brutalidade e maledicência republicana ousou afrontá-la. O país do qual sempre se considerou parte e os descendentes daquela gente que tanto lhe quis, merecem bem essa reparação que antes de tudo é moral.

Aproximando-se o centenário em 2011, tenham as autoridades o sentido de Estado que tantas vezes lhes falta, repatriando a rainha Maria Pia para junto dos seus.

Publicada por Nuno Castelo-Branco, Blogue Centenário da República


Vídeo: 
 
Momentos antes de morrer, a Rainha Dona Maria Pia perguntou para que lado ficava Portugal. Quis fechar os olhos na direcção do país que a recebera em festa, a 5 de Outubro de 1862, e que a expulsara para o exílio, a 5 de Outubro de 1910.

Portugal nunca soube retribuir a paixão que Dona Maria Pia votou ao seu país de adopção, onde, mais que esposa, Mãe e Avó de Reis, foi uma Rainha que marcou indelevelmente a sua época.

De todos os exilados da Família Real que saíram de Portugal no 5 de Outubro de 1910, foi a primeira a morrer e a única que não regressou.

Quase um século após a Sua morte, Portugal não se interessou ainda por recolher da Basílica de Superga os restos mortais da Rainha Dona Maria Pia para que repousem no Panteão de São Vicente, ao lado do Marido, dos Filhos e dos Netos.

Mais que ingratidão, mais que injustiça, trata-se de um esquecimento que nos envergonha!

Destas páginas, e a quem as ler, fica o apelo para que se promova urgentemente o regresso a Portugal dos despojos da Rainha Dona Maria Pia, com as honras nacionais que a todos os títulos lhe são devidas, e com o carinho e respeito que a Sua memória nos merece.
 
Do livro "Casa Real", de Eduardo Nobre.
 

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