segunda-feira, 19 de abril de 2010

O "NOSSO" HOMEM EM PARIS

Francisco Seixas da Costa(*) é actualmente o embaixador de Portugal em França. E tem um blog, denominado «Duas ou três coisas», onde vai escrevendo as suas «notas pouco diárias». Uma delas, colocada a 27 de Março último e intitulada «Reizinho(s)», fala dos «sonhos dos bobos da inexistente corte que por aí hasteiam, sob a coragem da noite, a sua patética nostalgia.» Refere-se, obviamente, às recentes iniciativas, por parte de alguns monárquicos, de hastear bandeiras azuis e brancas, e muito em especial às que foram erguidas no Parque Eduardo VII e na Câmara Municipal de Lisboa.

Como seria de esperar, esta «posta» deu origem a muitas respostas, favoráveis e desfavoráveis, tanto de monárquicos como de supostos republicanos. Eu só intervim quando, em dois dos seus próprios comentários, o sr. embaixador reivindicou o seu «inalienável direito à higiene» para não publicar comentários que «utilizam uma linguagem que pouco fica a dever à educação», e isto porque o seu blog é um «espaço livre de discussão, educada e civilizada».

No meu primeiro comentário escrevi o seguinte: «É irónico que o senhor embaixador apele à “discussão educada e civilizada” quando é o próprio o primeiro a comportar-se de forma contrária, com as suas alusões a “bobos” que “hasteiam” a sua “patética nostalgia”. Pois, eu “patético nostálgico” me confesso: nostálgico de um regime, de uma sociedade, e de um tempo, que tanto progresso material e cultural trouxeram a Portugal, em que a pena de morte foi abolida, se deu a expansão do caminho-de-ferro, as expedições no interior de África, a liberdade de expressão e de imprensa era um facto, a geração de 70 floresceu, e em que dois dos seus mais ilustres representantes, Oliveira Martins e Eça de Queiroz, foram respectivamente ministro e diplomata… enfim, vigorava uma verdadeira democracia segundo os padrões da época, e que um bando de criminosos, terroristas, bombistas, assassinos, censores, fanáticos, derrubou em 1910 para instaurar uma ditadura que só viria a ser deposta em 1974. E sugiro que se olhe, não ao espelho, mas ao ecrã do seu computador, quando decidir chamar a outros de patéticos. Porque a sua “conversão” à “novilíngua” totalitarizante resultante do “acordo ortográfico”, e a utilização de aberrações ortográficas como “atual”, “respetivos”, “coletivo”, “efetivo”, “fator”, “noturnos”, é, no mínimo… hilariante. Não lhe dá muita… credibilidade. E, sabe, nós monárquicos efectivamente privilegiamos o debate de ideias; “golpes de mão” (armada, de pistola e carabina, a 1 de Fevereiro de 1908, e não só) é que são típicos dos republicanos; e o hastear calado da mais bela bandeira portuguesa vale mais, muito mais – “fala” muito mais – do que as histerias palavrosas que costumam acompanhar o desfraldar do “ignóbil trapo” (para Fernando Pessoa) vermelho e verde.»

«O seu nome como muito bem me apraz»

Devo sem dúvida ter cumprido as regras de «higiene» e respeitado os critérios de «educação e civilidade» porque não só o meu comentário foi publicado como o sr. embaixador escreveu a seguir que teve «o maior gosto» em o fazer.

Porém, referiu-se a mim como «Otávio dos Santos». Pelo que por minha vez respondi que o meu primeiro nome se escreve com um «C». Mais à frente fiz mais um comentário a… um comentário dele, em que alegava que no seu texto original se limitava a condenar e a ridicularizar «os tristes métodos utilizados por alguns para desrespeitarem os símbolos republicanos.» Escrevi: «”Tristes métodos”? Porquê? Foram danificados bens públicos? Foram agredidas pessoas? E o senhor embaixador tem toda a razão em falar de “símbolos republicanos”… porque a bandeira vermelha e verde não é - nunca foi - verdadeiramente a de Portugal. É a bandeira da Carbonária, a bandeira dos que assassinaram D. Carlos e D. Luís Filipe, que mataram e feriram muitas mais pessoas, que destruíram bens públicos; esses, sim, é que utilizavam “(muito) tristes métodos”. E uma bandeira de assassinos não merece ser respeitada. Quanto ao outro “símbolo republicano”, a marcha-que-se-tornou-hino “A Portuguesa”, foi roubada pelos republicanos a Alfredo Keil… que era monárquico.»

Respondeu-me o sr. embaixador afirmando o seu «prazer» em publicar o meu comentário. E voltou a tratar-me de «Otávio dos Santos», acrescentando desta vez: «E, usando toda a liberdade que a República me concede, permito-me escrever o seu nome como muito bem me apraz.»

Sim, é mesmo isto que lá está.

A minha reacção? «Ou o senhor embaixador está a tentar fazer humor – sem sucesso – ou está a ofender-me deliberadamente, pessoalmente. O que, creio, até agora não o fiz em relação a si. Não há “acordo ortográfico”, ou “liberdade” seja ela qual for, republicana ou outra, que lhe dê o direito de alterar o meu nome ou o de qualquer outra pessoa. Eu nunca prescindirei do meu “C” - de “Carácter”. Como é que se sentiria se passasse a ser designado, por exemplo, como “Franciscu Seichas da Kosta”? Indignado, não é verdade? Se quer que os outros – incluindo os monárquicos – o respeitem, apesar de ser republicano, então mostre também algum respeito para com eles.» O Sr. Costa procurou então contemporizar: tratando-me por «Sr. Santos» e «prezado correspondente», aludiu a «dois registos» que «conflituam», na existência entre nós dois de «uma manifesta incompatibilidade na forma de olhar o mundo, na ironia com que se apreciam as coisas, no humor com que a vida se leva. É um jogo desigual, com regras que não são comuns, um mundo sem rei nem roque. Capitulo. Este post traz-nos, contudo, uma lição: são os temas menos sérios que congregam mais comentários.»

«”Fait-divers”, produto de uma atitude de desespero»

Por outras palavras, a identidade nacional e os seus símbolos, a liberdade de expressão e o respeito para com o próximo (incluindo, literalmente, o direito ao seu bom nome) são «temas menos sérios» para um representante máximo de Portugal no estrangeiro.

Decidi então introduzir outro «tema menos sério»: «Em Valença foram hasteadas dezenas de bandeiras de Espanha - incluindo na fortaleza (!) - em protesto contra o encerramento do serviço de urgência do centro de saúde daquela cidade. Seria interessante saber, sobre este assunto, a opinião do senhor embaixador, bem como de todos aqueles que se sentiram indignados com o hastear da bandeira azul e branca - que, nunca é de mais recordar, é portuguesa. E, já agora, será curioso observar quanto tempo vai passar até que os panos amarelos e vermelhos sejam retirados pelas autoridades policiais, terminando assim mais um “ultraje à república”. Ou não: afinal, esta talvez seja mais uma forma de corresponder ao apelo “Espanha, Espanha, Espanha” do actual primeiro-ministro.» E o sr. embaixador deu a sua opinião: «As bandeiras espanholas em Valença são um “fait-divers”, produto de uma atitude de desespero, num a(c)to feito à luz do dia.» No entanto, e como «ramo de oliveira», concedeu-me que «foi uma pena a bandeira realista não ter sido ado(p)tada em 1910, expurgada naturalmente da derrubada coroa. Esteticamente, a imagem do país teria ficado mais bem servida. Agora, porém, já é tarde e a bandeira verde-rubra é a nossa bandeira nacional. A outra, fica para os livros de História, onde está muito bem arquivada.»

Permiti-me então fazer um resumo do «brilhante» raciocínio do «ilustre» diplomata: «Em Lisboa (e não só) o hastear da bandeira azul e branca (portuguesa, da Monarquia) representa um “triste método” de uns “bobos” expressarem a sua “patética nostalgia” e “desrespeitarem os símbolos republicanos”. Em Valença, o hastear da bandeira amarela e vermelha (espanhola, da Monarquia) é “um ‘fait-divers’ produto de uma atitude de desespero”. Além disso, o que aconteceu naquela localidade minhota é mais aceitável, ou compreensível, porque é “um aCto feito à luz do dia” e não à noite. Mas ainda bem que concorda que “a imagem do país teria ficado mais bem servida” com a bandeira azul e branca. Porém, ao contrário do que afirma, não é – nunca será – tarde para a recuperar. Eu diria que o Sr. Costa não aprendeu as lições da História recente. Há pouco mais de 20 anos também se pensava que o Muro de Berlim não cairia, que a União Soviética duraria para sempre… e veja-se o que aconteceu: a Rússia voltou a adoPtar a bandeira tricolor do tempo dos Czares. E qual é a bandeira que está hoje “muito bem arquivada” nos livros de História? Exactamente: a vermelha com a foice e o martelo. Moral da História: ninguém deve dizer que ela está encerrada…»

Todavia, este comentário não foi publicado: o sr. embaixador decidiu entretanto avisar que «este assunto encerrou». Comportamento próprio de quem já não tem argumentos e que sabe que perdeu a discussão.

Octávio dos Santos(**)
(Fonte: Blogue "Esquinas.org")

(*) Francisco Seixas da Costa GCC (Vila Real, 1948) é diplomata e foi membro de dois Governos em Portugal.

É licenciado em Ciências Sociais e Políticas, pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa. Iniciou a sua vida profissional num banco e numa empresa de publicidade.

Ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal em 1975, tendo começado por desempenhar funções nas Embaixadas portuguesas em Oslo (1979-1982), Luanda (1982-1986) e Londres (1990-1994). Teve diversos cargos dirigentes do âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Foi Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, no XIII e XIV Governos Constitucionais de Portugal, dirigidos por António Guterres, entre 1995 e 2001. Foi o principal negociador português do Tratado de Amesterdão (1995/1997) e do Tratado de Nice (2000), presidente do Comité de Ministros do Acordo de Schengen (1997) e presidente do Conselho de Ministros do Mercado Interno da União Europeia(2000).

Foi Representante Permanente de Portugal na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque (2001-2002), tendo aí desempenhado os cargos de vice-presidente do Conselho Económico e Social (ECOSOC), de presidente da Comissão de Economia e Finanças (2ª Comissão) da 56ª Assembleia Geral, tendo sido eleito vice-presidente da 57ª Assembleia Geral. Foi membro do "board" do United Nations Fund for International Partnerships (UNFIP).

Foi Representante Permanente de Portugal na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), em Viena (2002-2004), tendo presidido ao respectivo Conselho Permanente (2002).

Foi embaixador de Portugal no Brasil, entre 2005 e 2008.

É embaixador de Portugal em França, desde 2009.

É presidente do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), desde 18 de Dezembro de 2009.

Bibliografia

  • O Caso República, com António Pinto Rodrigues (Lisboa, ed. dos aut., 1975).
  • Diplomacia Europeia - Instituições, Alargamento e o Futuro da União (Lisboa, Dom Quixote, 2002)
  • Uma Segunda Opinião - Notas de Política Externa e Diplomacia (Lisboa, Dom Quixote, 2006).
  • As Vésperas e a Alvorada de Abril (Brasília, Thesaurus, 2007).
  • Tanto Mar? - Portugal, o Brasil e a Europa (Brasília, Thesaurus, 2008).
  • Apontamentos (Lisboa, Instituto Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 2009).
(Fonte: Wikipedia)

(**) Octávio dos Santos nasceu em Lisboa a 16 de Abril de 1965. Foi um dos alunos a concluir o primeiro seminário (especialização) de Sociologia da Comunicação da licenciatura em Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (onde integrou a Associação de Estudantes e o Conselho Directivo), tendo a sua tese sido orientada por José Manuel Paquete de Oliveira. É jornalista e foi redactor das revistas TVMais, África Hoje, Cyber.Net, Inter.Face e Comunicações; por artigos publicados nas três últimas foi distinguido (com, respectivamente, um primeiro lugar absoluto, uma menção honrosa e um co-primeiro lugar ex-aequo) em três anos consecutivos (1998, 1999 e 2000) pelo Prémio de Jornalismo Sociedade da Informação. Colaborou também com, entre outros, A Capital, Blitz, CAIS, Diário de Notícias, Diário Digital, Diário Económico, Expresso, Fórum Estudante, Jornal de Leiria, Jornal de Negócios, O Diabo, O Professor, Público, Seara Nova, Semanário, Tempo, Vértice e Vida Ribatejana. É autor de «Visões», livro inserido na colecção «Bibliotheca Phantastica» dirigida por António de Macedo (2003, Hugin; áudio-livro em 2005, SbH). É co-autor de «Os Novos Descobrimentos – Do Império à CPLP: Ensaios sobre História, Política, Economia e Cultura Lusófonas», escrito com Luís Ferreira Lopes e com prefácio de José Manuel Durão Barroso (2006, Almedina) – livro que recebeu uma menção honrosa no âmbito dos Prémios Culturais 2008 da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Foi o criador, organizador e um dos 14 autores participantes de «A República Nunca Existiu!» (2008, Saída de Emergência). É autor de «Espíritos das Luzes» (2009, Gailivro). Traduziu «Poemas» de Alfred Tennyson (2009, Saída de Emergência). É autor do projecto MAR (http://mar.pt). É um estudioso entusiasta do século XVIII: iniciou em 2004 um projecto e respectiva equipa para a recriação virtual, em computação gráfica, do Teatro Real do Paço da Ribeira ou Ópera do Tejo (http://operadotejo.org); participou, no mesmo ano, na campanha «Salve um Livro II» promovida pela Biblioteca Nacional, tendo sido mecenas de «O Uruguai» (1769) de José Basílio da Gama; à BN propôs, e com esta co-organizou, os colóquios «Arcádia Lusitana – 250 Anos» e «Cinco Livros de 1756» (2006). É membro, entre outras entidades: da Associação Agostinho da Silva; do Movimento Internacional Lusófono, onde integra o respectivo Conselho Consultivo; da Simetria/Associação Portuguesa de Ficção Científica e Fantástico (http://simetria.org), onde desenvolve, desde 2006, o projecto Simetria Sonora.

(Fonte: Sítio Saída de Emergência.com)

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