sábado, 16 de outubro de 2010

CARTA ABERTA AO PROFESSOR CAVACO SILVA

Exmo. Senhor Presidente da República

Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva,

Na minha qualidade de monárquico assumido, permita-me cumprimentar Vossa Excia como representante legítimo da mais alta magistratura da Nação e apresentar, por seu intermédio, os meus cumprimentos ao Povo Português.

Dirijo-me a Vossa Excelência de Português para Português.

Dirijo-me a Vossa Excelência de Homem honrado para Homem honrado, no que considero ser a base comum mais simples, para que dois seres humanos possam dialogar com espírito de nobreza.

Escrevo na convicção de que V Excia poderá interceder por mim, junto da classe política e do Povo Português, transmitindo-lhes as palavras que a consciência, humildade e orgulho me ditam e que há muito se encontram abafadas.

Por ocasião da comemoração dos 100 anos da implantação da República, dirijo-me a V Excelência na esperança de obter a atenção que um português vulgar não logra obter, face ao conjunto dos representantes da Nação e do seu Povo.

1. Como sabe V Exa, um Monárquico é simplesmente um ser humano, no nosso caso nascido Português, com uma determinada afiliação cultural, religiosa, filosófica, dogmática, eventualmente político-partidária, com a particularidade de optar por um monarca, como mais alto representante da Nação.
Um monárquico não visa qualquer atentado sangrento ao Estado de Direito, aos seus legítimos representantes e substitutos ou aos descendentes directos dos mesmos.

2. O passado. Nos últimos 100 anos os Monárquicos fizeram parte do conjunto do Povo Português, alguns deles nomes ilustres, recordados pela República e por ela acarinhados, como bons obreiros no conjunto das realizações e sucessos de Portugal. Durante um século labutámos ao lado de todos os outros Portugueses, nos mais elevados e nos mais humildes cargos. Pagámos os mesmos impostos e submetemo-nos às mesmas leis. Sonhámos com um Portugal melhor e maior, como qualquer outro Português. Com um Portugal mais justo, com mais progresso e mais projectado no mundo, como qualquer outro Português. Tentámos sublimar os nossos defeitos e cantámos o mesmo hino, como qualquer outro Português. Atravessámos três guerras, perseguições, muitas crises nacionais e mundiais. Sofremos os mesmos desvarios da política, em mais de metade desse período e, apesar disso, repetimos com Pessoa, como qualquer outro Português, “Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce”.

Durante cada um dos 100 anos precedentes, como antes, houve Portugueses Monárquicos a contribuir para a memória colectiva de Portugal, a sonhar, trabalhar e morrer por Portugal. Vidas inteiras deram o seu testemunho, mesmo que pelo simples resultado do seu viver. Estiveram presentes e, ao partir, deixaram a sua marca.
Pretendo com isto esclarecer, Senhor Presidente, que, em cem anos, os Monárquicos estiveram presentes ao lado do restante Povo Português, com altos e baixos, como qualquer outro Português, mas inegavelmente presentes. Tantas vezes incógnitos.

Senhor Presidente, são Cem Anos. Quatro gerações!

Batemo-nos também, é certo, contra aqueles que, calculadamente, ignoram ou mesmo espezinham os nossos ideais e valores mais profundos. Como qualquer Homem de bem.

Não escondemos alguma frustração pela forma como fomos tratados. Sofremos, como todo o povo Português, o trauma do regicídio e os excessos das revoluções.

Do estado das contas públicas não argumentaremos com V Excia, mas não consideramos estar melhor do que estávamos há um século, comparativamente com outros países da Europa, apesar dos recentes milhares de milhões da UE. Somente acrescentarei que passaram 100 (cem!) Orçamentos de Estado.
Mas do passado, consideramos estar sublimado.

3. O presente. No Portugal actual comemoramos todas as efemérides que a Nação instituiu (com a óbvia e desculpável excepção) e orgulhamo-nos em conjunto de todas as realizações de que o Povo Português foi capaz ao longo dos séculos, deplorando, também em conjunto, os retrocessos que o Povo Português permitiu. Sobretudo do espírito. E ainda hoje, Senhor Presidente, continuamos a atravessar a história juntos.
Apesar disso, em cada ano somos arredados a 5 de Outubro. Comemora-se o nosso afastamento. Propaga-se a superioridade de uns sobre os outros, nós. Na nossa cara. Tantas vezes recorrendo ao nosso trabalho. Com os nossos impostos. Fazendo alarde do poder vitorioso sobre os derrotados.
Dez décadas, três guerras, várias revoluções, cem orçamentos de estado mais tarde, impõe-se-nos uma pergunta. Comemora-se o quê, ao certo? A modernidade contra a estagnação? A liberdade contra a tirania? A justiça contra a injustiça? A pobreza contra a abundância? A segurança contra o terror? A igualdade contra a discricionariedade? Mas serão estes vícios descritivos e exclusivos dos Monárquicos? Não se espelham na República? Não serão antes intrínsecos do povo que os sofre e, ano após ano, os perpetua? Haverá talvez outros interesses, obscuros, disfarçados na comemoração da data? O que se comemora ao certo?
Uma leitura rápida pelas capas dos jornais dos últimos 20 anos poderia ser elucidativa.
Em resposta, alguns de nós simplesmente ignoram a efeméride, talvez a maioria, como qualquer outro Português. Outros ressentem-se, seja talvez o meu caso.
Outros simplesmente sublimam a data e apelam a outro 5 de Outubro, o de 1143, data do Tratado de Zamora, data da Fundação de Portugal. Se fosse lícito comparar a importância de cada uma das datas, muito provavelmente saíamos a ganhar, tanto pelo custo da primeira como pela relativa leveza da segunda, pois que ninguém ignora que houve muito mais Portugueses envolvidos na nossa Fundação do que na Proclamação da República. E muito mais sangue se perdeu.
Este último período da nossa história foi assim tão heróico, tão cheio de realizações e contribuições, para Portugal e para o Mundo, que justifique uma comemoração ou uma visão altaneira contra uma parte, porventura diminuta, dos Portugueses? Que nestes cem anos trabalharam, sonharam e morreram com os outros Portugueses?
Se assim é, Senhor Presidente, de Homem honrado para Homem honrado, não terão os Monárquicos o direito moral e ético de reivindicar toda a História de Portugal anterior a 1910, mesmo com todas as suas virtudes e defeitos? E propalar o afastamento dos Republicanos da comemoração de todas as datas anteriores? Políticas, Militares, Científicas, Literárias, Artísticas…? E de afiliar para si todos os seus Obreiros…?

4. O futuro. A história é o que os homens fizeram e não aquilo que quiseram fazer ou gostariam de ter feito.
Senhor Presidente, pedimos-lhe que interceda por nós junto da classe política, e através dela junto do Povo Português, no sentido de respeitar um pouco mais todos os Portugueses e, sem prejuízo de ninguém, mas antes fazendo justiça à história e ao povo, passar a comemorar o 5 de Outubro de 1143 como dia da Fundação, e não como se tem comemorado.

Por que é a sua obrigação, Senhor Presidente.

Porque é uma amoralidade.

E porque fará inteira justiça ao cargo que ocupa.

Bragança, aos 10 de Setembro de 2010

Um monárquico Transmontano

Fonte: Real Associação de Trás-os-Montes e Alto Douro

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