Como afirmou o Papa, «um povo, que deixa de saber qual é a sua verdade, fica perdido nos labirintos do tempo e da história, sem valores claramente definidos, sem objectivos grandiosos claramente enunciados.» É como estamos.
(João Gonçalves, in Portugal dos Pequeninos)
Este post diz praticamente tudo o que havia para comentar. No entanto, peca por demasiadamente condescendente. O que ontem se viu, desde a chegada do avião papal até à missa no Terreiro do Paço, foi de bradar aos Céus! Começando logo na indumentária da residente de Belém, ninguém do preclaro - é o termo - protocolo de uma instituição que suga anualmente o dobro do orçamento auferido por qualquer Casa Real europeia, deve sequer sonhar que vestidas de branco só se apresentam diante do Papa, as soberanas católicas! Depois, foi um friso lamentável de gente que não sabia onde se meter, desde militares embaraçados e fazendo cada um a continência segundo a sua maneira, até aos políticos conhecidos por serem fervorosos adeptos de outras "religiões", especialmente aquela que tem andado em voga e que dá pelo nome de uma cadela russa que há meio século foi ao espaço*.
Não se pouparam a nada para tentar agradar e neste ano de funestos pressentimentos, bem precisam de uns arremedos de pompa, ou daquilo que eles pensam ser grandeza. Aviões-caça F-16, helicópteros Merlin, Guarda Nacional em grande uniforme azul e branco, Meninos da Luz, PSP e Forças Armadas por todo o lado, uma boa orquestra numa das mais belas e grandiosas praças do planeta Terra - a "ominosa Monarchia" sabia bem construir e criar cenários de magnificência -, a TV do Estado a todo o vapor e os pivôs a apelarem à lágrima fácil. Tivemos de tudo, não um pouco, mas um sim um pantagruélico banquete de popular vingança pelas afrontas a que o Esquema têm submetido este país quase milenar. Imaginemos a quantidade de gente que ontem deve ter sofrido de todo o tipo de mazelas digestivas, desde os senhores da parasitagem bloqueira, até ao Grande Sacerdote dançarino da pandeireta à volta da Árvore. Guinchos, cançonetas com a ranhosa e entaramelada vozita do Zeca, arranhões nos quistos sebáceos da cabeça, re-leituras exorcistas dos feitos do Fouquier-Tinville, tudo deve ter servido. Para cúmulo, no telejornal da TVI, o dr. Carvalho da Silva estava visivelmente rendido à figura de Bento XVI. Foi uma autêntica noite de Valpúrgis!
No Terreiro do Paço, António Costa ofereceu as chaves da cidade a Bento XVI, atitude que quisesse ou não quisesse, era obrigado a tomar. Quando o Papa se lhe referiu e deu um sentido mais amplo a essa Lisboa de outras eras e Impérios, o edil descomunalmente inchou de gozo, num indisfarçável sorriso de uma reconhecida proeminência que não se limita ao imparável ventre. O rebocado Zé sabotador de túneis também esteve presente e ficou entre o aperto e o beija mão. Não se percebeu, mas o que conta foi aparecer em cena. No momento em que a TV mostrou as imagens da comunhão dispensada pelas mãos do Papa, foi sem surpresa que verificámos as trunfas a pleno vento de algumas "esposas" - a de Belém incluída - , enquanto uma ou duas senhoras sabiam que a mantilha é obrigatória (?) nestas raras ocasiões.
Estiveram lá todos. Aqueles que nos seus jornais patrocinaram durante anos uma intensa campanha contra Bento XVI - ou o sr. Balsemão não é também patrão do "safarista militante" sr. Sousa Tavares ? - e dúzias de participantes da abstrusa "comissão oficial do centenário" que se tem dedicado a tecer loas ao mais mortal inimigo que a Igreja já teve em Portugal. O Eng. Sócrates também se apressou em aparecer na foto e um bocadinho atrapalhado - o que a Fernanda Câncio e a Isabel Moreira lhe irão dizer! - conseguiu chamar "Sua Eminência" ao Papa. Enfim, já estamos bem a ver o que sucederá na próxima visita de qualquer monarca estrangeiro a Portugal. Pela lei das proporções, o Rei de Espanha passará por "Senhor Skipper", a Rainha da Holanda por "Senhora Queijeira" e quem sabe? a Rainha Isabel II poderá muito bem juntar ao título Defensora da Fé, o sempre na moda e prestigioso "Senhora Arquitecta".
Notórios suspeitos do uso de aventais fora da cozinha - como os senhores PGR e o Supremo da eficaz Justiça -, posaram para os flashes de serviço. Podiam lá eles perder a oportunidade?
Já esta manhã, a Dª Canavilhas foi a correr para o CCB, já esquecida do 31 de Janeiro e das alarvidades que com a eterna pepsodentica dentuça arreganhada, costuma emitir a respeito da ribombante alvorada do 5 de Outubro. Outras conhecidas ratazanas regimenteiras também lá deram um salto, embora se duvide de sequer conseguirem distinguir o Pai Nosso, da Avé Maria. Tal como Mário Soares sempre sofreu de deslumbrados delíquios diante de qualquer sotaina cardinalícia ou dos arminhos da realeza, estes arrivistas envolvidos em todo o tipo de torpezas que contrariam aquilo que pregam dia após dia, acorreram em massa. Foi isso que hoje me disse um dos presentes, também chocado por verificar a comparência no CCB, da chusma de papões que conhecemos pelas piores razões possíveis e imagináveis. Os papões, ansiosos por ver o Papa.
Apesar de tudo, houve o tino suficiente para dar relevância a Manoel de Oliveira, que proferiu um discurso que não deve ter agradado a muitos dos presentes que o aplaudiram.
Haja Deus!
*A Laika
publicado por Nuno Castelo-Branco
(Fonte: Blogue "Estado Sentido")
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