Sábado de manhã, muito calor e um verão que vai a meio, sem que isso até hoje significasse praia. Lá me decidi ir de comboio até Carcavelos e para me entreter, recorri ao saquinho de plástico que entre muito desperdício de papel, contem o Expresso.
Já em viagem, estourou uma audível zaragata num grupo que digladiava argumentos acerca da actual situação política. Entre o mata e esfola, as sugestões de "pena de morte" e um infindável e esperado arsenal de "pneus a arder, bastões de ferro, caçadeiras e barricadas", decidiram-se pela necessidade de "acabar com isto". "Isto", diante de um agente da autoridade que se alheou completamente, não fazendo caso do chorrilho de insultos endereçados aos vários palácios do Poder.
Dizendo para mim o inevitável ..."a coisa vai mesmo mal, perdeu-se a compostura e o medo", tentei abstrair-me e abri o semanário, encontrando as notícias que fomos conhecendo ao longo da semana. A crónica de Miguel Sousa Tavares consiste numa variante elegante daquilo que ainda era possível escutar no berreiro que alegremente decorria uns bancos mais à frente, mas a novidade, consistiu nas duas páginas de destaque, brilhando pelo ineditismo do tema escolhido. Trata da "questão dos monárquicos" que são afinal, muitos mais do que aquilo que se possa pensar. Surgem de forma inesperada, cortam todo o espectro político e já muito longe do labéu de "ratos da Torre do Tombo", desempenham as mais diversas funções. Isto poderá espantar a maioria dos leitores do Expresso, sempre chamados a ler os piramidais e insondáveis desígnios de escutas jamais feitas, os inefáveis poderes presidenciais que existem em part-time, os tais procuradores à cata de algo mais e o fabuloso mundo dos terrenos, demolições, centros comerciais e contentores vários, além de casos futebolísticos que captem a atenção de uma franjinha mais desportiva.
Grande surpresa, essa... O Expresso está verdadeiramente boquiaberto, ou então, é globalmente parvo parvo andando a "fazer de conta", ou para tudo ser mais plausível e elevado, resolveu-se a tactear o terreno. Já há uns anos, o seu director José António Saraiva o fez, mesmo que de forma indirecta e evocando o rival país vizinho.
Já paira entre todos, aquela sensação de que o país precisa e quer algo de novo. Que corte cerce o legado das últimas duas décadas, mas não perturbe a tranquilidade palradora de todos os nós. Assim, talvez seja esta uma das interpretações a dar às imprevistas páginas centrais do Expresso.
Afinal, é uma "surpresa" que não o é, até para os mais desatentos. Embora disso não se fale, "eles" existem em todas as famílias, todos os partidos, locais de trabalho e sobretudo, irritam precisamente aqueles que se sentem donos da vontade alheia. Enfim, estão por aí, silenciosos, dificilmente mutáveis e de uma persistência estóica, sabendo bem qual a sua primeira fidelidade acima de qualquer clube, grupinho debicador de acepipes ou leituras.
Existem mesmo. Mas qual é a surpresa? Não são uma "meia dúzia" de milhar, nem uns excêntricos de estranhas falas e vetustos almanaques debaixo do braço. São gente que todos têm ao lado, muitas das vezes sem que disso se dêem conta.
Não são afinal os monárquicos portugueses, o mais subterrâneo e teimoso movimento clandestino de resistência em Portugal?
Nuno Castelo-Branco
(Fonte: Estado Sentido)
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