Historiadores de direita e esquerda (Manuel Braga da Cruz, Vasco Pulido Valente, Fernando Rosas, António Costa Pinto, Rui Ramos, entre muitos) descreveram já pormenorizadamente a realidade da I República: um estado lastimável e pernicioso de coisas, um regime não democrático onde em nenhuma eleição votaram mais de 10 000 pessoas, conhecido por torturar padres, enviar os seus caceteiros contra opositores ou meros discordantes, gastador e perdulário, que meteu o país numa Guerra Mundial, versado no assassínio de governantes e presidentes, sem crédito interno e internacional, golpista e desordeiro, e que conduziu o país à bancarrota.
Pinheiro Chagas chegou a advertir, olhando a I República à sua volta, que «isto vai parar direitinho às mãos dos militares.» Foi, seguindo-se uma ditadura. Fernando Rosas já identificou nesses negros dias a existência de uma «ânsia de normalidade entre a classe média», ou seja, a maioria dos Portugueses, por oposição aos golpes diários, à desordem generalizada e à falência. Uma ânsia que foi respondida: a oferta de Salazar de «viver habitualmente» teve geral acolhimento.
Acontece, no entanto, que um grupo de dinossauros maçónicos e socialistas resolveu celebrar este ano e prolongadamente o centenário da República (e distribuir entre si os cargos em comissões e eventos correlativos), de pés assentes naquilo que o mesmo Rosas chama uma «visão hagiográfica da História». Não celebram a República como mais que discutível progresso em relação à Monarquia. Não, o que eles celebram é mesmo a I República.
Eis, portanto, o que se passa, descarada, impenitente e reiteradamente, durante todo este ano, culminando a desvergonha em Outubro: um grupelho que se apropriou de vários milhões de euros dos nossos impostos celebra um regime torcionário e indigno que levou o país à bancarrota e foi causa próxima de uma ditadura. Certamente, vêem-se ao espelho.
José Mendonça da Cruz
em "Corta Fitas"
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