sexta-feira, 4 de junho de 2010

O ANTI-REPUBLICANISMO DE ANTERO DE QUENTAL (PARTE 1)

A União Democrática Portuguesa nunca chegou a conhecer a luz do dia, extinguindo-se, como projecto, naquele ano de 1873, possivelmente em Abril, na sequência das divergências programáticas assinaladas. No entanto, a sua finalidade última continuará presente nas opções imediatamente posteriores do poeta, sobretudo nos seus esforços para impedir o avanço das ideias colecti vistas, para bloquear o crescimento do republicanismo e para convencer as classes laboriosas de que a mera mudança de regime não acabaria com as injustiças sociais. Assim, em Julho de 1873, voltava a defender ser urgente lançar as «bases do verdadeiro partido republicano-socialista, zurzindo entre tanto sem piedade as seitas tolas e visionárias, os declamadores chatos e a corrupção geral». E isto porque, em sua opinião, o pior que poderia acontecer era que «os declamadores e os pulhas que actualmente constituem a quase totalidade do grupo republicano» 787 lograssem conquistar o povo português.

Este anti-republicanismo não surpreende. Já em Março de 1873, isto é, na conjuntura em que se procurava lançar a União, receava que os «republicanos lunáticos» (nome por que era conhecido um grupo que, liderado por Oliveira Marreca, se reunia no Pátio do Salema) tivessem conseguido captar o apoio de Alexandre Herculano para um acto eleitoral: «Escrevo à pressa», noticiava a Martins, «por isso só sumariamente lhe direi que o Herculano, saindo da con cha agrícola [isto é, de Vale de Lobos], está entusiasmado por uma grande reforma, toda municipal, com bases democráticas (!) e, quanto posso conjec turar, a vinda dele agora a Lisboa tem talvez por fim entender-se com Marreca e c.a (que tratam de formar partido republicano) para esse fim788.»

Mas esta vigilância começou a dar um maior relevo aos movimentos da corrente federalista, onde, de um modo mais consequente, o radicalismo político se juntava ao positivismo e ao moDismo naturalista. Compreende-se. Este sector integrava Teófilo Braga e alguns antigos companheiros de Antero, e era o que tinha mais pretensões reformistas. Em 22 de Junho de 1873, criou o Centro Republicano Federal de Lisboa e lançou o jornal O Rebate, cujo primeiro número (29 de Junho) inseria o respectivo programa. O paladino da União Democrática Portuguesa reagiu imediatamente, acusando a iniciativa de querer caçar no seu próprio terreno. Daí O teor deste desabafo, feito ao amigo e confidente Oliveira Martins: «Envio-lhe o primeiro número dum jornal do Teófilo, que me mandou o [José] Fontana. É um documento! Que programa!, tiraram ao acaso frases do nosso e amalgamaram-nas com asneiras da própria lavra. Veja também o artigo de fundo, espécime Teófilo tout puro tolo e malévolo. Lá se insinua que os homens da evolução (somos nós) são meros sedentários e inactivos… Que diz a isto?, e que lhe parece duma república feita por esta boa gente?» 789

Com efeito, sob o entusiasmo da revolução espanhola e com a vis jacobina que alimentava o movimento, o articulista anónimo – Teófilo, segundo Antero – escrevia: «Temos porém um equívoco em que laboram os homens de boa-fé [referência a Antero e a Oliveira Martins], sedentários e apáticos: não poderá ser substituída a revolução pela evolução?» E a esta pergunta respondia, com os olhos postos na denúncia dos que desvalorizavam da questão do regime: «Não podemos opor às instituições anacrónicas, que ainda subsistem, a simples inércia da evolução. É preciso alguma coisa de mais forte; depois que se examinou a nau e se reconheceu que não estava capaz de navegar, em vez de deixá-la apodrecer sobre a areia meta-se-Ihe o machado e utilize-se o que tem préstimo para outros fins. É este processo lógico o que se chama revoluçã079o.»

A pedra-de-toque entre o republicanismo e o socialismo começava a tomar -se evidente. E, no terreno dos acontecimentos, Antero sentia-se aliviado com o facto de o exemplo de Castelar e de Pi y Marssall não se ter propagado a Portugal. Mas isso não afastava os seus receios. E que, como escrevia, ainda em 1873, «o pior que nos pode acontecer é sermos amanhã república. Seria um 48, mas sem o talento, o entusiasmo, o idealismo do outro; um 48 chato». Saudava, por isso, a rápida passagem do «arrepio causado pela proclamação da república em Espanha». Mas, em sua opinião, o facto de, nos centros republicanos, não se encontrar «um homem nem uma ideia» tomava o movimento antidinástico ainda mais perigoso.

Este procedimento crítico foi-se definindo a um ritmo tal que, em Setembro de 1873, congratulava-se com a circunstância de a «fantasia republicana» estar «desfeita de todo no nosso grupo socialista», dando «por isso muitas graças a Deus». Todavia, tinha a consciência de que as suas ideias e acções passadas continuavam a suscitar equívocos quanto à questão do regime. No artigo «A República e o Socialismo» (1873) procurou esclarecê-las. O que não bastou, como se prova pelo desenrolar dos acontecimentos. Aquando do banquete comemorativo (25 de Março de 1876) da consolidação da III República francesa, foi convidado para participar no ágape congratulatório. «Sabe que», dizia, em evidente ironia, ao autor da Teoria do Socialismo, «há aqui grande faina de organização e reorganização de partidos: o republicano está finalmente constituído e com gente séria e tende a engrossar. Deu banquete e abriu centro [referência à fundação do Centro Republicano Democrático de Lisboa]. Ora eu fui convidado para o banquete, e não fui ao banquete; convidado para o centro, e não vou ao centro. Sou, pois, grande traidor! Como isto me aborrece e, por outro lado, estou convencido de que todo este radicalismo (os históricos e reforrninhos estão aqui estão republicanos) é absurdo, estéril, perigoso; como, ainda por outro lado, acho que é caso de consciência esclarecer sobre tudo isto os nossos amigos socialistas e preveni-]os contra a propaganda republicana que os trabalha; tomei uma resolução: boto folheto!»

Apesar de, no artigo citado, ter esclarecido o que pensava sobre as diferenças entre o socialismo e a república, sentia não haver sido compreendido. E a ameaça jacobina impunha a necessidade de se quebrar «com os republicanos, e eu estou resolvido a fazê-lo em voltando a Portugal [Antero encontra-se, então, nos Açores). Já esbocei para essa execução um folheto com o título: “Os Republicanos perante a República”». E, referindo-se ao grupo União Democrática Portuguesa, precisava: «urge que ninguém nos tome nem por jacobinos nem por comunistas.» Como não cumpriu aquele desígnio, três anos depois voltou a ele, mas novamente se ficou pelas intenções. Por conseguinte, continuou a sentir a necessidade de «botar folheto», isto é, de explicar à opinião pública como era socialista e por que é que, do «ponto de vista socialista, todos os partidos são estéreis, e como o repub1icanismo hoje e aqui é uma quimera. Digo por uma vez o que penso e saio duma situação equívoca que me incomoda», Fá-lo-ia num opúsculo que se iria intitular O Socialismo e os Partidos. Por razões que se desconhecem, mas que devem estar ligadas ao agravamento do seu estado de saúde e à sua ida para Paris, este texto também nunca conheceu a luz do dia. Em 1878, voltava a reagir contra as más interpretações do seu pensamento político: um pequeno grupo republicano-federalista, ou melhor, republicano -socialista (de Alcântara), propô-lo como candidato pelo círculo 98 (sê-Io-á, no ano seguinte, mas numa candidatura socialista); obviamente que não aceitou, tendo respondido «que achava equívoca a expressão republicano-socialista, e como este equívoco praticamente me parece perigoso, só aceitaria a dita candi datura com o carácter exclusivamente socialista, com toda a reserva da questão política e em completa isenção do movimento republicano actuaL.. Não sei o que pensarão e dirão os republicanos. Talvez seja uma ocasião de me explicar sobre a delicada distinção entre socialista e republicano, e de sair de uma vez por todas dum equívoco que me pesa».

Fonte : Antero de Quental, de Fernando Catroga, Editorial Notícias
(Publicado no Blogue "Causa Monárquica")

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